Language of document : ECLI:EU:C:2024:552

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

27 de junho de 2024 (*)

Índice


I. Quadro jurídico

A. Regulamento (CE) n.° 1/2003

B. Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2004

C. Orientações sobre a aplicação do artigo 101.° [TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia

II. Antecedentes do litígio

A. O perindopril

B. Litígios relativos ao perindopril

1. Decisões do IEP

2. Decisões dos tribunais nacionais

C. As transações nos litígios relativos ao perindopril

1. As transações Niche e Matrix

2. A transação Teva

3. Os acordos Krka

4. A transação Lupin

III. Decisão controvertida

IV. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

V. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

VI. Quanto ao presente recurso

A. Observações preliminares sobre a admissibilidade

B. Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos aos critérios de apreciação dos conceitos de restrição da concorrência por objetivo e de concorrência potencial

1. Quanto à admissibilidade

2. Quanto ao mérito

a) Observações preliminares

b) Quanto aos critérios relativos à concorrência potencial (segundo fundamento)

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

c) Quanto aos critérios relativos à qualificação de restrição da concorrência por objetivo (primeiro fundamento)

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

C. Quanto aos fundamentos terceiro e sexto relativos às transações Niche e Matrix

1. Quanto ao terceiro fundamento

a) Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

b) Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto ao sexto fundamento, relativo à qualificação das transações Niche e Matrix de infrações distintas

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

D. Quanto ao quarto fundamento, relativo à transação Teva

1. Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

a) Quanto aos objetivos da transação Teva

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

b) Quanto à ambivalência dos efeitos da transação Teva

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

c) Quanto à nocividade das cláusulas da transação Teva.

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

d) Quanto ao pagamento compensatório

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

E. Quanto ao quinto fundamento, relativo à transação Lupin

1. Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

a) Quanto ao pagamento compensatório

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

b) Quanto à nocividade das cláusulas da transação Lupin.

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

c) Quanto ao âmbito de aplicação da transação Lupin

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

3. Quanto à terceira parte, relativa à data do termo da infração

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

F. Quanto ao sétimo fundamento, relativo às coimas

1. Quanto à primeira parte, relativa à violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

G. Conclusões quanto ao presente recurso

VII. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

Quanto às despesas



«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Produtos farmacêuticos — Mercado do perindopril — Artigo 101.° TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Concorrência potencial — Restrição da concorrência por objetivo — Estratégia para atrasar a entrada de versões genéricas do perindopril no mercado — Transação em litígios em matéria de patentes — Duração da infração — Conceito de infração única — Anulação ou redução da coima»

No processo C‑201/19 P,

que tem por objeto um recurso de um Acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 28 de fevereiro de 2019,

Servier SAS, com sede em Suresnes (França),

Servier Laboratories Ltd, com sede em Stoke Poges (Reino Unido),

Les Laboratoires Servier SAS, com sede em Suresnes,

representadas por O. de Juvigny, J. Jourdan, T. Reymond, A. Robert, avocats, J. Killick, advocaat, e M. I. F. Utges Manley, solicitor,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Castilla Contreras, B. Mongin, e C. Vollrath, e, seguidamente, por F. Castilla Contreras, F. Castillo de la Torre, B. Mongin, J. Norris e C. Vollrath, e, por último, por F. Castilla Contreras, F. Castillo de la Torre, J. Norris e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por D. Guðmundsdóttir, na qualidade de agente, assistida por J. Holmes, KC, e, seguidamente, por L. Baxter, F. Shibli, D. Guðmundsdóttir e J. Simpson, na qualidade de agentes, assistidos por J. Holmes, KC, e P. Woolfe, barrister, e, por último, por S. Fuller, na qualidade de agente, assistido por J. Holmes, KC, e P. Woolfe, barrister,

interveniente no presente recurso,

European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA), com sede em Genebra (Suíça), representada por F. Carlin, avocat,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, Presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Longar e R. Şereş, administradores,

vistos os autos e após a audiência de 20 e 21 de outubro de 2021,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS pedem a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:922), que negou parcialmente provimento ao seu recurso de anulação da Decisão da Comissão C(2014) 4955 final, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo de aplicação dos artigos 101.° e 102.° [TFUE] [AT.39.612 — Perindopril (Servier)] — (a seguir «decisão controvertida»), na parte que lhes diz respeito e, a título subsidiário, na redução do montante da coima que lhes foi aplicada por essa decisão.

I.      Quadro jurídico

A.      Regulamento (CE) n.° 1/2003

2        O artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), tem a epígrafe «Ónus da prova» e dispõe:

«Em todos os processos nacionais e comunitários de aplicação dos artigos [101.° e 102.° TFUE], o ónus da prova de uma violação do n.° 1 do artigo [101.°] ou do artigo [102.° TFUE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação. Incumbe à empresa ou associação de empresas que invoca o benefício do disposto no n.° 3 do artigo [101.° TFUE] o ónus da prova do preenchimento das condições nele previstas.»

B.      Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2004

3        O ponto 209 das Orientações da Comissão Europeia, de 27 de abril de 2004, relativas à aplicação do artigo [101.° TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia (JO 2004, C 101, p. 2, a seguir «Orientações relativas aos acordos de transferência de tecnologia de 2004»), prevê:

«209. No contexto de um acordo de resolução de litígios e de não reivindicação, as cláusulas de não contestação são geralmente consideradas não abrangidas pelo n.° 1 do artigo [101.° TFUE]. É inerente a tais acordos que as partes acordam em não contestar os direitos de propriedade intelectual ex post abrangidos pelo acordo. Na realidade, o verdadeiro objetivo do acordo consiste em resolver os litígios existentes e/ou evitar futuros litígios.»

C.      Orientações sobre a aplicação do artigo 101.° [TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia

4        Os pontos 242 e 243 das Orientações sobre a aplicação do artigo [101.° TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia (JO 2014, C 89, p. 3, a seguir «Orientações relativas aos acordos de transferência de tecnologia de 2014») preveem:

«Cláusulas de não contestação em acordos de resolução de litígios

242.      No contexto de um acordo de resolução de litígios, as cláusulas de não contestação são geralmente consideradas não abrangidas pelo artigo 101.°, n.° 1, [TFUE]. Tais acordos pressupõem que as partes acordam entre si não contestar ex postos direitos de propriedade intelectual que estiveram na origem do litígio. Na realidade, o verdadeiro objetivo do acordo consiste em resolver os litígios existentes e/ou evitar futuros litígios.

243.      No entanto, as cláusulas de não contestação em acordos de resolução de litígios podem, em determinadas circunstâncias, ser anticoncorrenciais e ser abrangidas pelo artigo 101.°, n.° 1, [TFUE]. A restrição da liberdade de contestar um direito de propriedade intelectual não faz parte do objeto específico de um direito de propriedade intelectual e pode restringir a concorrência. Por exemplo, uma cláusula de não contestação pode infringir o artigo 101.°, n.° 1, se um direito de propriedade intelectual foi concedido na sequência do fornecimento de informações incorretas ou enganosas […]. A análise de tais cláusulas pode também ser necessária se o licenciante, para além de licenciar os direitos da tecnologia, induzir, financeiramente ou de outro modo, o licenciado a acordar em não contestar a validade dos direitos da tecnologia ou se os direitos da tecnologia forem um input necessário para a produção do licenciado [...].»

II.    Antecedentes do litígio

5        Os antecedentes do litígio, nomeadamente conforme resultam dos n.os 1 a 73 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

A.      O perindopril

6        A Servier SAS é a sociedade‑mãe do grupo farmacêutico Servier que inclui a Les Laboratoires Servier SAS e a Servier Laboratories Ltd (a seguir, individualmente ou em conjunto, «Servier»). A sociedade Les Laboratoires Servier é especializada no desenvolvimento de medicamentos originais e a sua filial Biogaran SAS no desenvolvimento dos medicamentos genéricos.

7        A Servier desenvolveu o perindopril, medicamento principalmente destinado a combater a hipertensão e a insuficiência cardíaca. Este medicamento faz parte dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina. O princípio ativo do perindopril apresenta‑se sob a forma de sal. O sal utilizado inicialmente era a erbumina.

8        A patente EP0049658, relativa ao princípio ativo do perindopril, foi apresentada por uma sociedade do grupo Servier no Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 29 de setembro de 1981. Essa patente devia expirar em 29 de setembro de 2001, mas a sua proteção foi prolongada em vários Estados‑Membros da União Europeia, entre os quais o Reino Unido, até 22 de junho de 2003. Em França, a proteção da referida patente foi prolongada até 22 de março de 2005 e, em Itália, até 13 de fevereiro de 2009.

9        Em 16 de setembro de 1988, a Servier apresentou no IEP várias patentes relativas aos processos de fabrico do princípio ativo do perindopril que expiravam em 16 de setembro de 2008, a saber, as patentes EP0308339 (a seguir «patente 339», EP0308340 (a seguir «patente 340»), EP0308341 (a seguir «patente 341») e EP0309324.

10      Em 6 de julho de 2001, a Servier apresentou no IEP a patente EP1296947 (a seguir «patente 947»), relativa à forma cristalina alfa do perindopril erbumina e ao seu processo de fabrico, que foi concedida pelo IEP em 4 de fevereiro de 2004.

11      Em 6 de julho de 2001, a Servier apresentou igualmente pedidos de patentes nacionais em vários Estados‑Membros da União antes de estes serem parte na Convenção relativa à concessão de patentes europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973 e que entrou em vigor em 7 de outubro de 1977. A Servier, por exemplo, apresentou pedidos de patentes correspondentes à patente 947 na Bulgária (BG 107 532), na República Checa (PV2003‑357), na Estónia (P200300001), na Hungria (HU225340), na Polónia (P348492) e na Eslováquia (PP0149‑2003). As patentes foram concedidas em 16 de maio de 2006 na Bulgária, em 17 de agosto de 2006 na Hungria, em 23 de janeiro de 2007 na República Checa, em 23 de abril de 2007 na Eslováquia e em 24 de março de 2010 na Polónia.

B.      Litígios relativos ao perindopril

12      Entre 2003 e 2009, vários litígios opuseram a Servier a fabricantes que se preparavam para comercializar uma versão genérica do perindopril.

1.      Decisões do IEP

13      Ao longo de 2004, dez fabricantes de medicamentos genéricos, entre os quais a Niche Generics Ltd (a seguir «Niche»), a Krka, tovarna zdravil, d.d. (a seguir «Krka»), a Lupin Ltd e a Norton Healthcare Ltd, filial da Ivax Europe, que se fundiu posteriormente com a Teva Pharmaceuticals Ltd, sociedade mãe do grupo Teva, especializado no fabrico de medicamentos genéricos, deduziram oposição contra a patente 947 no IEP, com vista a obter a sua revogação, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e de atividade inventiva, bem como ao caráter insuficiente da exposição da invenção.

14      Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP confirmou a validade da patente 947 (a seguir «Decisão do IEP de 27 de julho de 2006»). Essa decisão impugnada na Câmara de Recurso Técnico do IEP. Após ter celebrado uma transação com a Servier, a Niche desistiu do processo de oposição em 9 de fevereiro de 2005 e a Krka e a Lupin desistiram do processo na Câmara de Recurso Técnica do IEP, respetivamente, em 11 de janeiro de 2007 e em 5 de fevereiro de 2007, respetivamente.

15      Por Decisão de 6 de maio de 2009, a Câmara de Recurso Técnica do IEP anulou a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e revogou a patente 947. O pedido de revisão apresentado pela Servier contra essa Decisão da Câmara de Recurso técnica foi indeferido em 19 de março de 2010.

2.      Decisões dos tribunais nacionais

16      A validade da patente 947 foi contestada em certos tribunais nacionais por fabricantes de medicamentos genéricos e a Servier intentou ações por contrafação, bem como pedidos de medidas inibitórias provisórias contra esses fabricantes. A maior parte desses processos foi encerrada antes de os respetivos tribunais poderem conhecer definitivamente da validade da patente 947, devido a transações celebradas entre 2005 e 2007 pela Servier com a Niche, a Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix»), a Teva, a Krka e a Lupin.

17      Contudo, no Reino Unido, só o litígio que opunha a Servier à Apotex Inc. deu origem à declaração, por via judicial, da invalidade da patente 947. Com efeito, em 1 de agosto de 2006, a Servier intentou na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery (Secção de Patentes), Reino Unido], uma ação por contrafação da patente 947 contra a Apotex, que tinha começado a comercializar uma versão genérica do perindopril no mercado do Reino Unido. Em 8 de agosto de 2006, a Servier obteve uma injunção provisória contra a Apotex. Em 6 de julho de 2007, na sequência de um pedido reconvencional da Apotex, essa injunção provisória foi levantada e a patente 947 foi invalidada, permitindo assim a esta empresa colocar no mercado no Reino Unido uma versão genérica do perindopril. Em 9 de maio de 2008, a Decisão de invalidação da patente 947 foi confirmada em sede de recurso.

18      Nos Países Baixos, em 13 de novembro de 2007, a Katwijk Farma BV, uma filial da Apotex, apresentou num tribunal desse Estado‑Membro um pedido de invalidação da patente 947, tal como foi validada nos Países Baixos. A Servier apresentou nesse tribunal um pedido de injunção provisória, que foi indeferido em 30 de janeiro de 2008. Esse tribunal, por Decisão de 11 de junho de 2008 num processo movido em 15 de agosto de 2007 pela Pharmachemie BV, uma sociedade do grupo Teva, invalidou a patente 947 para os Países Baixos. Na sequência dessa invalidação, a Servier e a Katwijk Farma desistiram dos seus pedidos.

C.      As transações nos litígios relativos ao perindopril

1.      As transações Niche e Matrix

19      A Niche Generics Ltd (a seguir «Niche») é uma filial da sociedade de direito indiano Unichem Laboratories Ltd (a seguir «Unichem») especializada no fabrico de medicamentos genéricos. Em 26 de março de 2001, as sociedades em cujos direitos a Niche e a Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix») sucederam, celebraram um acordo de cooperação para o desenvolvimento de uma versão genérica do perindopril. Nos termos desse acordo, a sociedade em cujos direitos a Matrix sucedeu estava encarregada da produção do princípio ativo desse medicamento, sendo a outra sociedade parte nesse acordo responsável pela obtenção das autorizações de introdução no mercado e pela distribuição do referido medicamento.

20      Em 25 de junho de 2004, a Servier intentou uma ação por contrafação das patentes 339, 340, e 341 na High Court of Justice (Inglaterra e País de Gales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery (Secção de Patentes)] contra a Niche que, por via reconvencional, pediu a anulação da patente 947. A Matrix participou neste processo prestando depoimentos. A data da audiência no referido processo foi fixada para 7 e 8 de fevereiro de 2005.

21      Em 8 de fevereiro de 2005, a Servier celebrou duas transações nesses litígios e nos processos no IEP relativos à patente 947, a primeira com a Niche e a Unichem (a seguir «transação Niche») e a segunda, com a Matrix (a seguir «transação Matrix»).

22      Cada uma dessas transações continha, por um lado, cláusulas ditas de não comercialização, pelas quais estas empresas se obrigavam, até expirarem as correspondentes patentes da Servier relativas ao perindopril, a não produzir, fornecer ou comercializar nenhuma forma genérica do perindopril fabricado segundo os processos protegidos por essas patentes e, por outro, cláusulas ditas de «não contestação», pelas quais essas empresas se obrigavam a abster‑se e a desistir de qualquer ação destinada a contestar a validade das referidas patentes ou a obter declarações de não contrafação.

23      Em contrapartida, a Servier obrigava‑se, por um lado, a não intentar ações de contrafação contra as referidas empresas e, por outro, a indemnizá‑las pelos custos que pudessem resultar da cessação do seu programa de desenvolvimento de uma versão do perindopril produzido segundo os processos protegidos pelas patentes da Servier. Essa indemnização daria origem a dois pagamentos a favor, o primeiro, da Niche, e o segundo, da Matrix, do montante de 11,8 milhões de libras esterlinas (GBP) cada um. Essas transações abrangiam, nomeadamente, todos os Estados‑Membros do Espaço Económico Europeu (EEE) em que as patentes 339, 340, 341 e 947 estivessem em vigor.

24      Nos termos de um terceiro acordo igualmente celebrado em 8 de fevereiro de 2005, a Niche obrigou‑se a transferir para a Biogaran processos de autorização de introdução no mercado para três medicamentos diferentes do perindopril, e uma autorização de introdução no mercado obtida em França para um desses três medicamentos (a seguir «acordo Biogaran»). Em contrapartida, a Biogaran pagaria à Niche o montante de 2,5 milhões de GBP, que não era reembolsável, mesmo em caso de não obtenção dessas autorizações de introdução no mercado.

2.      A transação Teva

25      Em 9 de agosto de 2005, a Ivax intentou na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancery (Tribunal das Patentes)] uma ação de anulação da patente 947. Esse processo foi suspenso até decisão que pusesse termo ao processo no IEP relativo à revogação dessa patente.

26      Em 13 de junho de 2006, a Servier e a Teva UK Limited celebraram uma transação (a seguir «transação Teva»). Essa transação, que abrangia apenas o Reino Unido, tinha uma duração de três anos, renovável por um período adicional de dois anos. Nos termos dessa transação, a Teva obrigava‑se a abastecer‑se exclusivamente junto da Servier em perindopril destinado a ser distribuído no Reino Unido. Além dessa cláusula de fornecimento exclusivo, a referida transação continha igualmente uma cláusula de não contestação das patentes 339, 340, 341 e 947, de que a Servier era titular, e uma cláusula de não comercialização, que tinha por âmbito de aplicação o território do Reino Unido. De acordo com esta cláusula, a Teva era obrigada a não produzir ou comercializar nesse antigo Estado‑Membro nenhuma forma genérica do perindopril que a Servier considerasse constituir uma contrafação das suas patentes. Em contrapartida, a Servier pagou à Teva a quantia de 5 milhões de GBP.

27      A transação Teva continha, além disso, uma cláusula de indemnização fixa. Segundo essa cláusula, se a Servier não conseguisse fornecer perindopril à Teva a partir de 1 de agosto de 2006, seria então obrigada a pagar uma indemnização fixa de 500 000 GBP por mês à Teva, não dispondo esta última de nenhum direito de ação contra a Servier nem do direito de rescindir a transação Teva.

28      Não tendo fornecido perindopril à Teva até 1 de agosto de 2006, em conformidade com a transação Teva, a Servier pagou à Teva uma indemnização fixa no valor de 5,5 milhões de GBP, elevando assim o montante total dos pagamentos efetuados em execução da transação Teva a 10,5 milhões de GBP.

29      Em 23 de fevereiro de 2007, a Servier e a Teva celebraram um aditamento à transação Teva. Embora confirmando a cláusula de fornecimento exclusivo, esse aditamento previa que a Teva poderia começar a distribuir o perindopril da Servier quer numa data fixada por esta última, quer na data da revogação ou do expirar da patente 947, quer na data a partir da qual a Apotex começasse a distribuir uma versão genérica do perindopril no Reino Unido.

3.      Os acordos Krka

30      Em 3 de outubro de 2006, a High Court of Justice (Inglaterra e País de Gales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery (Secção de Patentes)], no âmbito de ações por contrafação de patentes 340 e 947, emitiu uma injunção provisória contra a Krka e indeferiu o pedido de processo sumário através do qual esta última contestava, por via reconvencional, a validade da patente 947.

31      Na sequência dessa decisão e da decisão anterior do IEP de 27 de julho de 2006, a Servier e a Krka concluíram três acordos (a seguir «acordos Krka»). Em 27 de outubro de 2006, celebraram uma transação nos litígios relativos às patentes 340 e 947, bem como um acordo de licença, e, em 5 de janeiro de 2007, um acordo de cessão e de licença.

32      Através dessa transação, a Servier desistiu das suas ações por contrafação destas patentes contra a Krka e esta renunciou a contestar a validade das referidas patentes no mundo inteiro e a comercializar uma versão genérica do perindopril que violasse a patente 947.

33      Através do acordo de licença, a Servier concedeu à Krka uma licença exclusiva e irrevogável sobre a patente 947 na República Checa, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, na Polónia, na Eslovénia e na Eslováquia. Em contrapartida, a Krka ficava obrigada a pagar à Servier uma taxa de 3 % do montante líquido das suas vendas em todos esses territórios.

34      Nos termos do acordo de cessão e de licença, a Krka transferiu dois pedidos de patentes para a Servier relativos ao perindopril. Em contrapartida dessa cessão, a Servier pagou à Krka o montante de 30 milhões de euros.

4.      A transação Lupin

35      Em 18 de outubro de 2006, a Lupin intentou na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery (Secção de Patentes)], uma ação de declaração de invalidade da patente 947 e de declaração de não contrafação da referida patente pela versão genérica do perindopril que pretendia comercializar neste país.

36      Em 30 de janeiro de 2007, a Servier e a Lupin puseram termo a esse litígio e ao processo que as opunha no IEP quanto à patente 947 por transação (a seguir «transação Lupin»).

37      Essa transação continha uma cláusula dita «de não contestação» pela qual a Lupin se obrigava a não pôr em causa as patentes da Servier relativas ao perindopril. Continha igualmente uma cláusula dita «de não comercialização» sujeita a determinadas condições. Por força desta última cláusula, a Lupin obrigou‑se a não vender uma versão genérica do «perindopril erbumina […] e qualquer sal deste». Resulta do n.° 54 do acórdão recorrido que «no entanto, a Lupin era autorizada a comercializar produtos fornecidos pela Servier ou o seu próprio perindopril nos países em que estivesse no mercado uma versão genérica do perindopril autorizada pela Servier ou em caso de caducidade de todas as patentes relevantes da Servier ou nos países em que um terceiro tivesse introduzido no mercado uma versão genérica do perindopril e em que a Servier não tivesse movido um pedido de injunção de proibição da sua venda». Estas cláusulas de não contestação e de não comercialização aplicavam‑se aos territórios de todos os Estados‑Membros do EEE.

38      A transação Lupin continha, além disso, uma cláusula de cessão e de licença por força da qual a Lupin cedia à Servier direitos de propriedade intelectual abrangidos por três pedidos de patentes relativos a processos de preparação do perindopril, direitos que a Servier se obrigava a reverter em licença à Lupin. Em contrapartida desta cessão, a Servier pagou à Lupin 40 milhões de euros.

39      Por último, a transação Lupin estipulava que a Servier e a Lupin utilizariam «todos os meios razoáveis» para concluir um acordo de fornecimento através do qual a Servier forneceria perindopril à Lupin.

III. Decisão controvertida

40      Em 9 de julho de 2014, a Comissão adotou a decisão controvertida. A Comissão considerou, por um lado, que as transações Niche, Matrix, Teva, Krka e Lupin constituíam restrições da concorrência por objetivo e por efeito. Consequentemente, qualificou esses acordos de infrações ao artigo 101.° TFUE. A Comissão considerou, por outro lado, que a celebração dos referidos acordos, em conjugação com outros comportamentos como a aquisição de tecnologias relativas ao princípio ativo do perindopril, constituíam, por parte da Servier, uma estratégia destinada a atrasar a entrada de versões genéricas no mercado deste medicamento, no qual esta empresa detinha uma posição dominante. A Comissão considerou que este abuso de posição dominante constituía uma infração ao artigo 102.° TFUE.

41      Nos artigos 1.° a 5.° dessa decisão, a Comissão declarou que a Servier tinha violado o artigo 101.° TFUE, ao participar nas transações Niche, Matrix, Teva, Krka e Lupin. Em particular, nos artigos 1.° e 2.° da referida decisão, a Comissão sublinhou que cada um das transações Niche e Matrix tinham constituído uma infração que abrangia todos os Estados que eram membros da União Europeia à data da adoção da mesma decisão, com exceção da Itália e da Croácia; que essas infrações tinham começado em 8 de fevereiro de 2005, exceto no que dizia respeito à Letónia, onde tiveram início em 1 de julho de 2005, à Bulgária e à Roménia, onde tiveram início em 1 de janeiro de 2007, e Malta, onde tinham começado em 1 de março de 2007; e que as referidas infrações tinham terminado em 15 de setembro de 2008, exceto no que respeitava ao Reino Unido, onde tinham terminado em 6 de julho de 2007, e aos Países Baixos, onde tinham terminado em 12 de dezembro de 2007.

42      No artigo 3.° da decisão controvertida, a Comissão declarou que a transação Teva constituía uma infração que abrangia o Reino Unido, que tinha começado em 13 de junho de 2006 e terminado em 6 de julho de 2007.

43      No artigo 5.° da decisão controvertida, a Comissão declarou que a transação Lupin constituía uma infração que abrangia todos os Estados que eram então membros da União, com exceção da Croácia. A Comissão indicou que essa infração tinha começado em 30 de janeiro de 2007, exceto no que respeitava a Malta, onde tinha começado em 1 de março de 2007, e à Itália, onde tinha começado em 13 de fevereiro de 2009; que a referida infração tinha terminado em 6 de maio de 2009, exceto no que respeitava ao Reino Unido, onde terminou em 6 de julho de 2007, aos Países Baixos, onde terminou em 12 de dezembro de 2007, e a França, onde terminou em 16 de setembro de 2008.

44      No artigo 7.°, n.os 1 a 5, da decisão controvertida, a Comissão fixou o montante total das coimas aplicadas à Servier pelas infrações ao artigo 101.° TFUE em 289 727 200 euros, incluindo 131 532 600 euros a título da sua participação na transação Niche, 79 121 700 euros a título da sua participação na transação Matrix, 4 309 000 euros a título da sua participação na transação Teva, 37 661 800 euros a título da sua participação nos acordos Krka e 37 102 100 euros a título da sua participação na transação Lupin.

IV.    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

45      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de setembro de 2014, a Servier interpôs, a título principal, um recurso de anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, de redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada nessa decisão.

46      Por requerimento apresentado em 2 de fevereiro de 2015, a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) (a seguir «EFPIA» ou «interveniente») pediu para intervir em apoio dos pedidos da Servier. Esse pedido foi deferido por despacho do Presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral de 14 de outubro de 2015.

47      No seu recurso em primeira instância, a Servier apresentava dezassete fundamentos em apoio do seu pedido de anulação da decisão controvertida.

48      No que respeita às infrações ao artigo 101.° TFUE, o Tribunal Geral julgou procedentes os fundamentos dirigidos contra a declaração da infração resultante dos acordos Krka. Por outro lado, julgou improcedentes os relativos ao caráter ilícito das transações Niche, Matrix, Teva e Lupin (a seguir «transações controvertidas»). Julgou improcedentes os pedidos subsidiários da Servier de anulação ou redução das coimas que lhe tinham sido aplicadas pela sua participação nas transações Niche, Teva e Lupin. Em contrapartida, reduziu o montante da coima aplicada à Servier pela sua participação na transação Matrix para 55 385 190 euros.

V.      Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

49      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de fevereiro de 2019, a Servier interpôs o presente recurso.

50      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de maio de 2019, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por Decisão de 16 de junho de 2019, o Presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido.

51      O Tribunal de Justiça convidou as partes a apresentarem as suas observações escritas até 4 de outubro de 2021 sobre os Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52); de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243); de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, EU:C:2021:241); de 25 de março de 2021, Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, EU:C:2021:242); de 25 de março de 2021, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, EU:C:2021:244); e de 25 de março de 2021, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245). A Servier, a Comissão e o Reino Unido deram cumprimento a esse pedido no prazo fixado.

52      Com o presente recurso, a Servier pede que o Tribunal de Justiça:

–        a título principal, anule os n.os 4 a 6 do dispositivo do acórdão recorrido;

–        anule os artigos 1.°, alínea b), 2.°, alínea b), 3.°, alínea b) e 5.°, alínea b), e, consequentemente, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), o artigo 7.°, n.° 2, alínea b), o artigo 7.°, n.° 3, alínea b) e o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida, ou, não o fazendo, remeta o processo ao Tribunal Geral para que este decida sobre os efeitos das transações controvertidas;

–        a título subsidiário, anule os n.os 4 e 5 do dispositivo do acórdão recorrido na parte em que confirmam as constatações efetuadas na decisão controvertida relativas à existência de infrações distintas e de coimas cumulativas para as transações Niche e Matrix e, consequentemente, anule o artigo 1.°, alínea b), o artigo 2.°, alínea b), o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), e o artigo 7.°, n.° 2, alínea b), dessa decisão;

–        a título ainda mais subsidiário, anule os n.os 4 e 5 da parte decisória do acórdão recorrido, e o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), o artigo 7.°, n.° 2, alínea b), o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), e o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida, tendo em conta o fundamento relativo à violação dos princípios da legalidade dos crimes e das penas e da proporcionalidade no âmbito da determinação do montante da coima;

–        anule o n.° 5 do dispositivo do acórdão recorrido e os artigos 5.°, alínea b), e 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida atendendo à quarta parte do quinto fundamento relativa à duração da infração alegada e ao cálculo do montante da coima relativa à transação celebrada entre a Servier e a Lupin e, consequentemente, fixar o montante da coima no exercício da sua competência de plena jurisdição, e

–        condene a Comissão nas despesas.

53      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao presente recurso e

–        condene as recorrentes nas despesas, tanto no Tribunal Geral como no Tribunal de Justiça.

54      A EFPIA pede que o Tribunal de Justiça:

–        anule os n.os 4, 5 e 6 do dispositivo do acórdão recorrido,

–        anule os artigos 1.°, alínea b), 2.°, alínea b), 3.°, alínea b) e 5.°, alínea b) e, consequentemente, os artigos 7.°, n.° 1, alínea b), 7.°, n.° 2, alínea b), 7.°, n.° 3, alínea b) e 7.°, n.° 5, alínea b) da decisão controvertida, ou, se assim não for, remeta o processo ao Tribunal Geral e

–        condene a Comissão no pagamento das despesas do presente recurso e do processo em primeira instância.

55      O Reino Unido pede ao Tribunal de Justiça que julgue procedentes os pedidos da Comissão.

VI.    Quanto ao presente recurso

56      Em apoio do presente recurso, a Servier apresenta sete fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a erros de direito respeitantes ao conceito de restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. O segundo fundamento é relativo a erros de direito respeitantes à concorrência potencial exercida pelos fabricantes de medicamentos genéricos sobre a Servier. Os fundamentos terceiro a quinto têm por objeto, respetivamente, as constatações efetuadas pelo Tribunal Geral a respeito das transações Niche, Matrix, Teva, e Lupin. A título subsidiário, a Servier alega, com o seu sexto fundamento, erros de direito quanto à qualificação das transações Niche e Matrix como infrações distintas. A título mais subsidiário, a Servier alega, com o seu sétimo fundamento, a violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas, bem como do princípio da proporcionalidade, no que respeita às coimas que lhe foram aplicadas nos termos do artigo 101.° TFUE.

A.      Observações preliminares sobre a admissibilidade

57      Na medida em que a Comissão contesta a admissibilidade de alguns dos fundamentos e argumentos do recurso de segunda instância, acusando a Servier de, nomeadamente, não ter identificado os fundamentos do acórdão recorrido a que se referem, de ter formulado asserções de alcance geral alheias às alegações e ao raciocínio expostos na decisão controvertida e no acórdão recorrido, de ter repetido alguns dos seus argumentos em primeira instância sem explicar em que demonstram erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral, e ao contestar apreciações factuais deste último, importa começar por recordar os limites da fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal de Justiça em segunda instância.

58      A esse respeito, há que lembrar que resulta do artigo 256.°, n.° 1, TFUE e do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e que, por conseguinte, só o Tribunal Geral é competente para apurar e apreciar os factos relevantes e as provas (Acórdão de 10 de julho de 2019, VG/Comissão, C‑19/18 P, EU:C:2019:578, n.° 47 e jurisprudência referida).

59      Em contrapartida, quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer a sua fiscalização quando o Tribunal Geral tenha qualificado a sua natureza jurídica e daí tenha extraído consequências jurídicas. O poder de fiscalização do Tribunal de Justiça estende‑se, nomeadamente, à questão de saber se o Tribunal Geral aplicou critérios jurídicos corretos na sua apreciação dos factos (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.° 53 e jurisprudência referida).

60      Seguidamente, há que lembrar que são admissíveis em segunda instância as alegações relativas ao apuramento dos factos e à sua apreciação na decisão controvertida quando se afirme que o Tribunal Geral fez constatações cuja inexatidão material resulta dos documentos dos autos ou que desvirtuou os elementos de prova que lhe foram apresentados (Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.° 35).

61      Uma desvirtuação tem que resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.° 43). Embora essa desvirtuação possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao seu conteúdo, deve resultar de forma manifesta dos autos e pressupõe que o Tribunal Geral tenha manifestamente excedido os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento podia ser objeto de uma interpretação diferente da que lhe foi dada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.° 64 e jurisprudência referida).

62      Há que lembrar que resulta do artigo 256.° TFUE, do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), e do artigo 169.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos impugnados do acórdão ou despacho cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Mallis e o./Comissão e BCE, C‑105/15 P a C‑109/15 P, EU:C:2016:702, n.os 33 e 34). Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não respeita esse requisito o recurso de segunda instância que se limita a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reapreciação da petição apresentada no Tribunal Geral, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 24 de março de 2022, Hermann Albers/Comissão, C‑656/20 P, EU:C:2022:222, n.° 35 e jurisprudência referida).

63      Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em segunda instância. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo de recurso de segunda instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v. Acórdão de 24 de março de 2022, Hermann Albers/Comissão, C‑656/20 P, EU:C:2022:222, n.° 36 e jurisprudência referida).

B.      Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos aos critérios de apreciação dos conceitos de restrição da concorrência por objetivo e de concorrência potencial

64      Com o seu primeiro e segundo fundamentos, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na interpretação e na aplicação dos conceitos de restrição da concorrência por objetivo e de concorrência potencial.

1.      Quanto à admissibilidade

65      A Comissão alega que o primeiro e segundo fundamentos são parcialmente inadmissíveis. Esta instituição lamenta o caráter geral e abstrato de uma parte da argumentação da Servier, que não expôs com o grau de precisão exigido os fundamentos do acórdão recorrido que critica e os erros de direito que invoca. Por outro lado, a Servier limita‑se a repetir os argumentos invocados em primeira instância sem explicar quais são os erros de direito que o Tribunal Geral cometeu ao rejeitar estes argumentos. Daí resulta que o primeiro e segundo fundamentos só são admissíveis na medida em que a argumentação da Servier esteja ligada a uma alegação específica às transações Niche, Matrix, Teva ou Lupin (a seguir «transações controvertidas»), identifique com precisão o fundamento do acórdão recorrido que é objeto das suas críticas, e exponha o erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral.

66      No caso, é verdade que o primeiro e segundo fundamentos da Servier visam pôr em causa de forma geral e abstrata a validade dos critérios jurídicos com base nos quais o Tribunal Geral se pronunciou sobre a qualificação das transações controvertidas de restrição da concorrência por objetivo. É igualmente verdade que, no âmbito destes fundamentos, o presente recurso não indica sistematicamente de forma precisa os números do acórdão recorrido que são objeto de crítica nem os argumentos jurídicos destinados a demonstrar a existência de erros de direito, limitando‑se ocasionalmente a repetir argumentos apresentados em primeira instância.

67      Contudo, como reconhece expressamente a Comissão, essa argumentação, apesar do seu caráter geral, coincide e completa com a argumentação desenvolvida pela Servier de forma específica em relação a cada um das transações controvertidas, no âmbito dos fundamentos terceiro a sexto do seu recurso. O facto de a Servier ter optado por dividir a sua argumentação jurídica relativa ao caráter ilícito das transações controvertidas em duas partes, uma geral e relevante para efeitos do exame de todos esses acordos, a outra específica de cada uma das referidas transações consideradas individualmente, não a torna inadmissível à luz dos princípios recordados nos n.os 58 a 63 do presente acórdão. Com efeito, resulta da leitura conjugada de todos estes fundamentos que o recurso permite identificar de forma suficientemente precisa tanto os números do acórdão recorrido contestados pela Servier como os argumentos jurídicos invocados em apoio das suas críticas.

68      Uma vez que os primeiro e segundo fundamentos do recurso são suficientemente claros e precisos para permitir à Comissão defender‑se e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, esses fundamentos são admissíveis. O Tribunal de Justiça decidirá pontualmente sobre as outras causas de não conhecimento de mérito invocados de forma mais específica pela Comissão no âmbito do exame dos fundamentos terceiro a sexto do presente recurso.

2.      Quanto ao mérito

a)      Observações preliminares

69      Há que lembrar que, por força do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

70      Assim, para ser abrangido pela proibição de princípio prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, um comportamento de empresas não só deve revelar a existência de uma colusão entre elas, a saber, um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada, como essa colusão tem que afetar também desfavoravelmente e de modo sensível o jogo da concorrência no mercado interno [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 31 e jurisprudência referida].

71      Esta última exigência pressupõe, no que respeita aos acordos de cooperação horizontal celebrados entre empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção ou de distribuição, que a referida colusão se verifique entre empresas que se encontram em situação de concorrência, quando não real pelo menos potencial [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 32].

72      Além disso, nos termos dessa mesma disposição, é necessário demonstrar que ou esse comportamento tem por objetivo impedir, restringir ou falsear sensivelmente a concorrência ou tem esse efeito (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 158). Daí resulta que esta disposição, como interpretada pelo Tribunal de Justiça, estabelece uma distinção clara entre o conceito de restrição por objetivo e o de restrição por efeito, estando cada um deles sujeito a um regime probatório diferente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 63].

73      Assim, quanto às práticas qualificadas de restrições da concorrência por objetivo, não há que averiguar nem, a fortiori, demonstrar os seus efeitos na concorrência, uma vez que a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos, particularmente em detrimento dos consumidores (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.° 115, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 159).

74      Em contrapartida, quando o objetivo anticoncorrencial de um acordo, de uma decisão de uma associação de empresas ou de uma prática concertada não estiver provado, há que examinar os seus efeitos a fim de provar que a concorrência foi, de facto, impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.° 17).

75      Esta distinção tem a ver com o facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (Acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.° 17, e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.° 35). O conceito de restrição da concorrência por objetivo deve ser interpretado de forma estrita e só pode ser aplicado a certos acordos entre empresas que revelem, em si mesmos e tendo em conta o teor das suas estipulações, os objetivos que visam e o contexto económico e jurídico em que se inserem, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que a análise dos seus efeitos não é necessária (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.° 20, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 161 e 162 e jurisprudência referida).

76      A este respeito, quanto ao contexto económico e jurídico em que se inscreve o comportamento em causa, há que tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços em causa, bem como as condições reais que caracterizam a estrutura e o funcionamento do ou dos setores ou mercados em questão. Em contrapartida, de forma nenhuma é necessário examinar e, por maioria de razão, demonstrar os efeitos desse comportamento na concorrência, sejam eles reais ou potenciais e negativos ou positivos (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 166).

77      Quanto aos objetivos prosseguidos pelo comportamento em causa, há que determinar as finalidades objetivas que esse comportamento visa atingir em relação à concorrência. Em contrapartida, o facto de as empresas envolvidas terem agido sem terem a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 167 e jurisprudência referida).

78      A aplicação dos princípios que acabam de ser recordados a respeito de práticas colusórias sob a forma de acordos de cooperação horizontal entre empresas, como as transações controvertidas, implica que se determine, numa primeira fase, se essas práticas podem ser qualificadas de restrição da concorrência por empresas que se encontram numa situação de concorrência, ainda que potencial. Se for esse o caso, há que verificar, numa segunda fase, se, tendo em conta as suas características económicas, as referidas práticas são abrangidas pela qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

79      Quanto à primeira fase desta análise, o Tribunal de Justiça já declarou que, no contexto específico da abertura do mercado de um medicamento aos fabricantes de medicamentos genéricos, para verificar se um desses fabricantes, embora ausente de um mercado, se encontra numa relação de concorrência potencial com um fabricante de medicamentos originais presente nesse mercado, há que determinar se existem possibilidades reais e concretas de o primeiro integrar o referido mercado e fazer concorrência ao segundo [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.° 36 e jurisprudência referida].

80      Para isso, há que verificar primeiro se, à data da celebração desses acordos, o fabricante de medicamentos genéricos tinha efetuado diligências preparatórias suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. Tais iniciativas permitem demonstrar que um fabricante de medicamentos genéricos tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo que existam patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais. Segundo, há que verificar se a entrada no mercado de tal fabricante de medicamentos genéricos não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.os 43 a 45].

81      O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que as eventuais patentes que protejam um medicamento original ou um dos seus processos de fabrico fazem incontestavelmente parte do contexto económico e jurídico que caracteriza as relações de concorrência entre os titulares dessas patentes e os fabricantes de medicamentos genéricos. Contudo, a apreciação dos direitos concedidos por uma patente não deve consistir numa análise da força da patente ou da probabilidade de um litígio entre o seu titular e um fabricante de medicamentos genéricos poder saldar‑se com a conclusão de que a patente é válida e objeto de contrafação. Esta apreciação deve incidir mais sobre a questão de saber se, apesar da existência dessa patente, o fabricante de medicamentos genéricos dispõe de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado na data relevante [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 50].

82      Por outro lado, a constatação de uma concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos genéricos e um fabricante de medicamentos originais pode ser corroborada por elementos suplementares, como a celebração de um acordo entre eles quando o fabricante de medicamentos genéricos não estava presente no mercado em causa ou a existência de transferências de valor a favor desse fabricante em contrapartida do adiamento da sua entrada no mercado [v., neste sentido, [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.os 54 a 56].

83      Numa segunda fase, para determinar se um adiamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos, resultante de uma transação num litígio em matéria de patentes, em contrapartida de transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante desses medicamentos genéricos deve ser considerado uma prática colusória constitutiva de uma restrição da concorrência por objetivo, há que examinar, antes de mais, se essas transferências de valor se podem justificar de forma integral pela necessidade de compensar custos ou inconvenientes associados a esse litígio, como os custos e honorários dos advogados deste último fabricante, ou de remunerar o fornecimento efetivo e comprovado de bens ou de serviços deste ao fabricante do medicamento original. Se não for esse o caso, há que verificar se essas transferências de valor se explicam unicamente pelo interesse comercial desses fabricantes de medicamentos em não concorrerem pelo mérito. Para efeitos dessa análise, há que verificar, em cada caso concreto, se o saldo positivo líquido das transferências de valor era suficiente para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos a renunciar a entrar no mercado em causa e, portanto, a não fazer concorrência com base no mérito ao fabricante de medicamentos originais, sem que seja necessário que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que esse fabricante de medicamentos genéricos teria realizado se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.os 84 a 94].

84      A este respeito, há que lembrar que a contestação da validade e do âmbito de uma patente faz parte do jogo normal da concorrência nos setores em que existem direitos de exclusividade sobre tecnologias, pelo que as transações através das quais um fabricante de medicamentos genéricos candidato à entrada num mercado reconhece, pelo menos temporariamente, a validade de uma patente detida por um fabricante de medicamentos originais e se obriga, por isso, a não a contestar nem entrar nesse mercado são suscetíveis de restringir a concorrência. [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.° 81 e jurisprudência referida].

85      É à luz destas considerações que há que verificar se não cometeu um erro de direito Tribunal Geral quando se pronunciou sobre a argumentação da Servier apresentada em particular no âmbito do quarto fundamento em primeira instância, relativo a erros de direito na definição dos critérios jurídicos aplicáveis à análise do objeto e dos efeitos das transações controvertidas à luz do artigo 101.° TFUE, bem como a desenvolvida de forma mais específica, a respeito da aplicação destes critérios a cada um destes acordos.

86      Assim, uma vez demonstrada a existência dos elementos relativos à concorrência potencial, que são objeto das críticas de ordem geral formuladas no âmbito do segundo fundamento do presente recurso, há que verificar, nesta segunda fase, se o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar que as transações controvertidas restringiam a concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Há que verificar também se o Tribunal Geral examinou, neste contexto, os objetivos destes acordos e, mais especificamente, a questão de saber se as transferências de valor pela Servier para os fabricantes de medicamentos genéricos eram suficientes para os incentivar a renunciar, ainda que temporariamente, a entrar no mercado do perindopril.

87      Além disso, há que garantir que o Tribunal Geral tomou em consideração, se necessário, as intenções das empresas envolvidas para verificar se correspondiam à sua análise, à luz dos elementos referidos no número anterior do presente acórdão, das finalidades objetivas que essas empresas visavam alcançar em relação à concorrência, precisando‑se, no entanto, que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 77 do presente acórdão, o facto de as referidas empresas terem agido sem ter a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Só é relevante a apreciação do grau de nocividade económica dessa prática no bom funcionamento da concorrência no mercado em causa. Esta apreciação deve assentar em considerações objetivas, se necessário na sequência de uma análise detalhada dessa prática, bem como dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 131].

88      É por esta razão que, para determinar se uma prática colusória pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo, há que analisar o seu conteúdo, a sua génese, bem como o seu contexto económico e jurídico, especialmente as características específicas do mercado em que se produzirão concretamente os seus efeitos. O facto de os termos de um acordo destinado a aplicar esta prática não revelarem um objetivo anticoncorrencial não é, por si só, determinante (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.os 23 a 25, e de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.° 26).

89      No caso, numa parte do acórdão recorrido dedicada aos erros de direito alegadamente cometidos pela Comissão relativos ao conceito de restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral começou por examinar de forma geral, nos n.os 219 a 307 desse acórdão, os critérios que permitem considerar que as transações em litígios em matéria de patentes estão abrangidas por este conceito, antes de expor, nos n.os 316 a 386 do referido acórdão, os critérios de apreciação da concorrência potencial. Ao fazê‑lo, inverteu a ordem pela qual devem, em princípio, ser examinados esses dois elementos, apresentados no n.° 78 do presente acórdão, uma vez que não é necessário examinar a questão de saber se os acordos têm por objetivo restringir a concorrência se as empresas em causa não estiverem numa relação de concorrência. Todavia, esta inversão, em si mesma, não tem consequências para o mérito da análise destes dois elementos efetuada pelo Tribunal Geral no caso presente. Com efeito, quando, em seguida, se pronunciou de forma específica sobre os fundamentos de primeira instância relativos ao caráter ilícito, à luz do artigo 101.° TFUE, das transações controvertidas, o Tribunal Geral seguiu esta ordem, uma vez que examinou sistematicamente a questão da existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes nestes acordos antes de analisar a sua qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

90      Em face do exposto, uma vez que o segundo fundamento se refere aos critérios relativos à concorrência potencial, há que decidir primeiro sobre este fundamento e, em seguida, examinar o primeiro fundamento, relativo aos critérios de qualificação de uma restrição da concorrência por objetivo.

b)      Quanto aos critérios relativos à concorrência potencial (segundo fundamento)

1)      Argumentos das partes

91      Com o seu segundo fundamento, que se divide em três partes, a Servier alega que o acórdão recorrido assenta numa conceção extensiva do conceito de concorrência potencial e faz uma inversão do ónus da prova que incumbe à Comissão. Alega, a título preliminar, que a mera celebração de uma transação em litígios em matéria de patentes não permite deduzir que existe concorrência potencial entre as partes nesse acordo. Por outro lado, no n.° 386 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, para demonstrar a existência de uma relação de concorrência potencial, bastava que a Comissão, na falta de provas contrárias relativas a dificuldades técnicas, regulamentares ou financeiras, reunisse um conjunto de indícios concordantes que atestassem diligências destinadas à produção e à comercialização do produto em causa num prazo suficientemente curto para ter impacto no operador presente no mercado em causa. Entende que este entendimento levou o Tribunal Geral a cometer três erros de direito.

92      Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Servier alega que o Tribunal Geral abstraiu dos obstáculos de patente. Considerou, nos n.os 384, 444 e 728 do acórdão recorrido, que, na falta de uma decisão definitiva de uma autoridade sobre a existência de atos de contrafação e sobre a validade de uma patente, a apreciação pelas partes das possibilidades de sucesso de uma ação contenciosa só podia ser tomada em consideração a título da intenção das partes. Assim, o Tribunal Geral, antes da adoção dessa decisão, excluiu a possibilidade de a perceção pelas partes da validade de uma patente ser tomada em consideração para determinar se os fabricantes de medicamentos genéricos tinham a capacidade de entrar no mercado em causa. Na medida em que, por definição, uma transação num litígio só pode ser celebrada antes da adoção de tal decisão, o Tribunal Geral exigiu, assim, uma condição impossível de satisfazer e inadaptada ao contexto dos litígios em matéria de patentes farmacêuticas. Por outro lado, a Servier critica o Tribunal Geral por ter afastado, nos n.os 366, 367, 591 e 592 do acórdão recorrido, a consideração das injunções judiciais neste contexto devido ao seu caráter provisório.

93      Segundo a Servier, mesmo na falta de tal decisão, a capacidade de um fabricante de medicamentos genéricos entrar no mercado pode ser posta em causa pela existência de uma patente se esta for entendida como suficientemente forte para dissuadir esse fabricante de efetuar uma entrada dita «de risco», tendo em conta a possibilidade de ser objeto de uma ação de contrafação por parte do fabricante do medicamento original. A Servier sublinha, a este respeito, que o Tribunal Geral declarou expressamente tal efeito dissuasivo decorrente da perceção, pela Krka, da validade da patente 947. O Tribunal Geral cometeu, assim, um erro de direito suscetível de viciar a qualificação da Niche, da Matrix, da Teva e da Lupin como concorrentes potenciais da Servier.

94      Com a segunda parte do seu segundo fundamento, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 386 do acórdão recorrido, que um conjunto de indícios que atestassem a existência de simples diligências destinadas à produção e à comercialização de um medicamento genérico, cujas possibilidades de sucesso num curto prazo são desconhecidas, era suficiente para demonstrar uma capacidade real e concreta de entrar no mercado. Segundo a Servier, tais diligências atestam — quando muito — uma vontade de entrar no mercado, mas não bastam para demonstrar, perante barreiras muito fortes à entrada, a probabilidade concreta de uma entrada no mercado suficientemente rápida, a qual depende da fase do desenvolvimento do medicamento genérico e da capacidade de o fabricante desse medicamento obter uma autorização de introdução no mercado. Nestas condições, o Tribunal Geral não podia excluir, no n.° 340 desse acórdão, a possibilidade de os atrasos no processo de entrada no mercado sofridos pelos fabricantes de medicamentos genéricos prejudicarem a sua capacidade de integrar esse mercado. A Servier invoca, por outro lado, vários erros relativos à apreciação da concorrência potencial, no que respeita às transações Niche, Matrix, Teva e Lupin.

95      Com a terceira parte do seu segundo fundamento, a Servier, apoiada pela EFPIA, critica o Tribunal Geral por ter declarado que, para pôr em causa os indícios da existência de relações de concorrência potencial invocados pela Comissão, cabia às empresas responsáveis pelas infrações declaradas pela decisão controvertida provar que a chegada de novos operadores ao mercado se confrontava com obstáculos intransponíveis. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova que incumbe à Comissão e impôs a essas empresas uma prova impossível de fazer (probatio diabolica). Para pôr em causa os indícios da existência de uma concorrência potencial, a Servier considera que basta demonstrar que as alegações da Comissão são duvidosas ou erradas.

96      Além disso, no n.° 386 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não podia, sem violar o princípio da boa administração, impor à Servier o ónus de demonstrar que os fabricantes de medicamentos genéricos eram confrontados com obstáculos intransponíveis, uma vez que, segundo esta empresa, só esses fabricantes dispõem das informações relevantes a esse respeito. Ora, ao recusar utilizar os seus poderes de inquérito para recolher essas informações, a Comissão violou o princípio da boa administração.

97      A Comissão, apoiada pelo Reino Unido, contesta esta argumentação.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

98      Quanto aos critérios que permitem dar por provada a existência de uma relação de concorrência potencial entre duas empresas, o Tribunal Geral considerou, no essencial, nos n.os 318 a 321 do acórdão recorrido, que um concorrente potencial é aquele que dispõe de possibilidades reais e concretas de integrar o mercado em causa. Isso deve assentar, segundo esse órgão jurisdicional, em dois critérios, a saber, por um lado, a capacidade e, por outro, a intenção de integrar esse mercado, precisando‑se que o primeiro desses critérios é essencial. Além disso, considerou, nos n.os 334 a 341 desse acórdão, que, para uma empresa poder ser qualificada de concorrente potencial, a sua entrada nesse mercado deve poder fazer‑se com rapidez suficiente para exercer pressão concorrencial sobre as empresas presentes no mesmo mercado.

99      Nos n.os 342 a 348 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou que a prova da existência de uma concorrência potencial pode ser corroborada pela perceção, pelas empresas presentes no mercado, da ameaça concorrencial que representa a possibilidade de chegada de um novo operador a esse mercado. A esse respeito, baseando‑se na sua própria jurisprudência, referiu que a celebração de um acordo entre essas empresas pode constituir um indício dessa perceção suscetível de corroborar a existência de uma concorrência potencial.

100    Quando, com base nestes critérios, se possa demonstrar que os fabricantes de medicamentos genéricos têm possibilidades reais e concretas de entrar no mercado, isso só pode, segundo o Tribunal Geral, pelas razões expostas nos n.os 319 a 324 do acórdão recorrido, ser posto em causa pela existência de obstáculos a essa entrada, tais como patentes ou a obrigação de obter uma autorização de introdução no mercado, se esses obstáculos forem intransponíveis.

101    A este respeito, o Tribunal Geral declarou, em substância, nos n.os 355 a 368 e 384 desse acórdão, que, na falta de uma decisão judicial definitiva que tenha declarado a existência de uma contrafação, a existência de uma patente válida não impede a implementação de uma concorrência potencial. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, o direito exclusivo conferido por uma patente não se opõe a que fabricantes de medicamentos genéricos iniciem diligências para poderem entrar no mercado do medicamento original após expirar essa patente e, assim, exerçam uma pressão concorrencial sobre o titular da referida patente antes de esta expirar.

102    Em especial, o Tribunal Geral, nos n.os 359 a 361 do referido acórdão, precisou que, embora a patente goze de presunção de validade a partir do seu registo, a contrafação não se presume, devendo ser demonstrada judicialmente. Do mesmo modo, segundo este Tribunal, na falta de declaração de contrafação, uma declaração de validade de uma patente, como a que resulta da Decisão do IEP de 27 de julho de 2006, não exclui a possibilidade de concorrência potencial.

103    O Tribunal Geral sublinhou igualmente, no n.° 358 do acórdão recorrido, que a legislação relativa à concessão das autorizações de introdução de medicamentos no mercado não constitui um obstáculo intransponível à implementação de uma concorrência potencial, visto que essa legislação permite às autoridades competentes concederem essa autorização a um medicamento genérico mesmo que o medicamento de referência esteja protegido por uma patente.

104    Resulta do exposto que, contrariamente ao que alega a Servier, não cometeu nenhum erro de direito e decidiu em conformidade com o que foi recordado nos n.os 79 a 82 do presente acórdão o Tribunal Geral quando expôs os critérios que permitem concluir pela existência de uma relação de concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos originais e um fabricante de medicamentos genéricos. Com efeito, os critérios aplicados pelo Tribunal Geral correspondem, em substância, aos aplicados pelo Tribunal de Justiça nos n.os 36 a 57 do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52).

105    No que respeita, em especial, aos dois critérios relativos à capacidade e à intenção de integrar o mercado em causa, referidos no n.° 318 do acórdão recorrido, há que observar que correspondem aos aplicados pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no n.° 44 do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), relativos à firme determinação e à capacidade própria de um fabricante de medicamentos genéricos para aceder ao mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo perante patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais.

106    No que respeita à alegação enunciada a título preliminar no âmbito do segundo fundamento, é verdade, como, no essencial, afirma a Servier, que a existência de uma relação de concorrência potencial entre duas empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção e uma das quais não está presente no mercado não pode ser inferida do simples facto de essas empresas terem celebrado uma transação. Todavia, a celebração dessa transação constitui um indício forte da existência de uma relação concorrencial entre as referidas empresas [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.° 55 e jurisprudência referida]. Assim, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao invocar a própria existência das transações controvertidas em apoio da conclusão de que a Servier e os fabricantes de medicamentos genéricos em causa estavam numa relação de concorrência potencial.

107    Quanto à primeira parte do segundo fundamento, a Servier não tem razão ao alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não admitir a possibilidade de a perceção da força de uma patente, cuja validade não tenha sido posta em causa, por um fabricante de medicamentos genéricos ser tomada em consideração para determinar se os fabricantes de medicamentos genéricos tinham a capacidade de entrar no mercado.

108    No caso, o Tribunal Geral não considerou, nomeadamente nos n.os 384, 444 e 728 do acórdão recorrido, que a perceção por um fabricante de medicamentos genéricos da força de uma patente, cuja validade não foi definitivamente demonstrada em juízo, é totalmente irrelevante para apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial entre a Servier e os fabricantes de medicamentos genéricos. Em contrapartida, considerou que, embora essa perceção possa ser relevante para determinar se esse fabricante tinha a intenção de entrar no mercado em causa, não tem nenhum papel a desempenhar na determinação da sua capacidade de efetuar tal entrada.

109    Há que lembrar, a este respeito, que a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser considerada uma barreira intransponível nem impede que se qualifique de concorrente potencial do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme determinação e a capacidade própria para entrar no mercado e que, com as suas diligências, se mostra pronto a contestar a validade dessa patente e a assumir o risco de, no momento da sua entrada no mercado, ser confrontado com uma ação por contrafação intentada pelo titular dessa patente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 46].

110    Há que observar que o raciocínio do Tribunal Geral, resumido no n.° 108 do presente acórdão, não enferma de nenhum erro de direito à luz desta jurisprudência e da recordada no n.° 81 do presente acórdão. Com efeito, resulta nomeadamente da referida jurisprudência que, embora faça incontestavelmente parte do contexto relevante, a existência de uma patente que protege um medicamento original ou um dos seus processos de fabrico cuja validade não foi definitivamente demonstrada em juízo, e, portanto, por maioria de razão, a perceção da força dessa patente que um fabricante de medicamentos genéricos pode ter, não é em si decisiva no âmbito da apreciação de uma eventual relação de concorrência potencial existente entre esse fabricante e o titular dessa patente.

111    Por outro lado, embora a perceção por um fabricante de medicamentos genéricos da força de uma patente, não como resulta das suas próprias afirmações, mas sim de elementos de prova contemporâneos e fiáveis, constitua um dos fatores relevantes entre outros, como as diligências preparatórias empreendidas com vista a uma entrada no mercado, para apreciar as intenções desse fabricante e, portanto, a sua eventual determinação firme de efetuar essa entrada, essa perceção que, por definição, é subjetiva, não é relevante, em princípio, para verificar a capacidade própria desse fabricante para entrar efetivamente no mercado, nem, aliás, a existência objetiva de obstáculos intransponíveis a essa entrada.

112    No que respeita ao argumento pelo qual a Servier acusa o Tribunal Geral de ter rejeitado a relevância das providências cautelares decretadas por um órgão jurisdicional nacional e que proíbem a um fabricante de medicamentos genéricos aceder ao mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, o Tribunal de Justiça já sublinhou a importância relativa dessas providências para se apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial entre esse fabricante e o titular da patente, uma vez que se trata de uma medida provisória que em nada prejudica a procedência de uma ação por contrafação [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 53]. Por outro lado, contrariamente à argumentação da Servier, o Tribunal Geral não rejeitou a consideração dessas injunções cautelares nos n.os 366, 367, 591 e 592 do acórdão recorrido, tendo‑se limitado, em conformidade com essa jurisprudência, a considerar que a sua concessão, e por maioria de razão o simples risco de tal concessão, não podia permitir enquanto tal excluir a qualidade de concorrente potencial desse fabricante.

113    Não obstante, a Servier alega que os fundamentos do acórdão recorrido relativos à importância a atribuir à perceção pelo fabricante de medicamentos genéricos da força da patente são contraditórios. Refere, conforme exposto no n.° 93 do presente acórdão, que o Tribunal Geral admitiu, em substância, que o reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 tinha como consequência excluir que os acordos concluídos com este fabricante de medicamentos genéricos fossem qualificados de restrição da concorrência por objetivo, ao passo que declarou o contrário em relação às transações controvertidas.

114    Todavia, basta observar que resulta nomeadamente do n.° 304 do Acórdão hoje proferido no processo Comissão/Servier e o. (C‑176/19 P), que os erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral afetam todo o raciocínio relativo à qualificação de restrição da concorrência por objetivo das transações e dos acordos de licença celebrados com a Krka, exposto nos n.os 943 a 1032 do acórdão recorrido. Particularmente, resulta dos n.os 294 e 295 do Acórdão de hoje no processo Comissão/Servier e o. (C‑176/19 P), que o Tribunal Geral verificou a qualificação da prática ilícita imputada à Servier e à Krka como restrição da concorrência por objetivo com base em critérios errados, à luz dos quais atribuiu uma importância determinante ao reconhecimento pela Krka da validade da patente 947, quando este elemento não era, em si mesmo, decisivo.

115    Tendo sido julgado parcialmente procedente o recurso de segunda instância da Comissão no processo C‑176/19 P, o Tribunal de Justiça anulou o n.° 1 do dispositivo do acórdão recorrido, pelo qual o Tribunal Geral anulou o artigo 4.° da decisão controvertida que declarava o caráter ilícito dos acordos Krka à luz do artigo 101.° TFUE. Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se definitivamente, em particular, sobre a primeira parte do nono fundamento do recurso da Servier no processo T‑691/14.

116    Pelos motivos expostos nos n.os 427 a 440 do seu Acórdão de hoje no processo Comissão/Servier e o. (C‑176/19 P), o Tribunal de Justiça rejeitou a argumentação de que a Servier contestava a existência de uma concorrência potencial exercida pela Krka. No n.° 441 deste acórdão, o Tribunal de Justiça rejeitou uma alegação da Servier de que, nomeadamente devido à Decisão do IEP de 27 de julho de 2006, a Krka já não dispunha da capacidade nem da determinação firme de entrar nos mercados principais da Servier, e, portanto, já não constituía uma fonte de concorrência potencial. Com efeito, o Tribunal de Justiça julgou definitivamente que esta alegação não era procedente, nomeadamente à luz da jurisprudência recordada nos n.os 81 e 109 do presente acórdão.

117    Decorre destes elementos que a contradição de fundamentos invocada pela Servier no âmbito da primeira parte do segundo fundamento do presente recurso assenta em fundamentos do acórdão recorrido que foram definitivamente invalidados pelo Tribunal de Justiça. Na falta da contradição alegada, improcede a alegação da Servier de contradição de fundamentos e, consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento.

118    No que respeita à segunda parte do segundo fundamento, contrariamente ao que alega a Servier, o facto de ter efetuado diligências administrativas com vista a obter uma autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico pode ser tido em conta para demonstrar que o fabricante desse medicamento tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado do medicamento original. Com efeito, em conformidade com os elementos referidos no n.° 80 do presente acórdão, as diligências dessa natureza são relevantes para provar tanto a firme determinação como a capacidade própria desse fabricante para entrar nesse mercado.

119    A Servier alega igualmente que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao recusar considerar, no n.° 340 do acórdão recorrido, que os atrasos no processo de entrada no mercado sofridos por um fabricante de medicamentos genéricos podem prejudicar a sua capacidade de integrar o referido mercado.

120    Todavia, como resulta, em substância, desse n.° 340, e como, no essencial, refere a advogada‑geral no n.° 103 das suas conclusões, um adiamento da entrada causado por tais atrasos não basta, por si só, para pôr em causa a qualidade de concorrente potencial de um fabricante de medicamentos genéricos, nomeadamente se empreender diligências para resolver as dificuldades que causaram esses atrasos. Com efeito, o que importa a esse respeito é determinar se esse fabricante de medicamentos genéricos continua a exercer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais devido à sua firme determinação e capacidade própria para conseguir efetuar essa entrada. Como resulta do n.° 80 do presente acórdão, para verificar se esses pressupostos estão preenchidos, há que apreciar se o referido fabricante de medicamentos genéricos efetuou diligências preparatórias suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais, sem que seja por isso relevante, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar, saber se as diligências empreendidas para esse efeito serão efetivamente concluídas em tempo útil ou se serão coroadas de sucesso (Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 84).

121    Daí resulta que, ao declarar, no n.° 340 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão podia considerar que «os atrasos no processo de entrada no mercado eventualmente sofridos pelas sociedades de genéricos não bastavam, por si sós, para excluir a sua qualidade de concorrente potencial quando continuam a exercer tal pressão devido à sua capacidade de entrar», o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito.

122    Tendo estes elementos em conta, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento.

123    No que respeita à terceira parte do segundo fundamento, contrariamente ao que alega a Servier, o Tribunal Geral não procedeu, no n.° 386 do acórdão recorrido, a uma inversão do ónus da prova. Nesse n.° 386, o Tribunal Geral limitou‑se a considerar que, na falta de provas contrárias relativas a dificuldades técnicas, regulamentares, comerciais ou financeiras, a Comissão podia demonstrar a capacidade e a intenção dos fabricantes de medicamentos genéricos de entrarem no mercado, e assim as suas possibilidades reais e concretas de nele entrarem, se tivesse reunido um conjunto de indícios concordantes que confirmem pelo menos diligências destinadas à produção e à comercialização do medicamento em causa num prazo suficientemente curto para pressionar o fabricante de medicamentos originais. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em matéria de responsabilidade por uma infração às normas da concorrência, os elementos factuais invocados por uma parte podem ser suscetíveis de obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova foi observado (Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.° 80, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 79).

124    De acordo com essa jurisprudência, se a Comissão conseguir demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre duas empresas, com base num conjunto de indícios concordantes, e sem ignorar as eventuais provas contrárias de que teve efetivamente conhecimento no inquérito que levou a cabo, acusatórias ou ilibatórias, nomeadamente as relativas a eventuais obstáculos potenciais a uma entrada no mercado, cabe então a essas empresas refutarem a existência dessa concorrência fazendo prova em contrário, o que podem fazer quer no procedimento administrativo quer, pela primeira vez, no recurso no Tribunal Geral (v., a este último respeito, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.° 72). Esse ónus não constitui uma inversão indevida do ónus da prova nem uma probatio diabolica, pois basta que as empresas em causa apresentem provas relativas a um facto positivo, a saber, a existência de dificuldades técnicas, regulamentares, comerciais ou financeiras que constituam, em seu entender, obstáculos intransponíveis à entrada de uma delas no mercado. Feita essa prova, cabe à Comissão verificar se infirma a sua análise relativa à existência de uma concorrência potencial.

125    Se, pelo contrário, coubesse à Comissão demonstrar, de forma negativa, a inexistência de tais dificuldades, e, portanto, a de qualquer barreira intransponível, seja ela qual for, à entrada de uma das empresas em causa no mercado, esse ónus da prova representaria uma probatio diabolica para essa instituição. Aliás, foi com razão que o Tribunal Geral referiu, no n.° 386 do acórdão recorrido, que as provas relativas à existência da concorrência potencial são frequentemente dados internos das empresas em causa, que estas estão mais bem colocadas para recolher.

126    Do mesmo modo, não se pode considerar que o ónus da prova descrito no n.° 124 do presente acórdão constitua uma violação do princípio da boa administração, uma vez que equivaleria a exigir ao fabricante de medicamentos originais que apresentasse, para a sua defesa, elementos de prova que não estão na sua posse mas sim dos fabricantes de medicamentos genéricos. Com efeito, esta alegação não tem em conta o direito de acesso ao processo nos processos de concorrência cujo objeto é permitir aos destinatários da comunicação de acusações tomar conhecimento, desde o procedimento administrativo, dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, para que se possam defender. Esse direito de acesso ao processo implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo instrutor e que possam ser relevantes para a sua defesa. Estes incluem tanto as provas acusatórias como ilibatórias, com ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (v. Acórdão de 14 de maio de 2020, NKT Verwaltungs e NKT/Comissão, C‑607/18 P, não publicado, EU:C:2020:385, n.os 261 e 262 e jurisprudência referida). Assim, todos os elementos de que a Comissão tem conhecimento no procedimento administrativo, incluindo os que são apresentados pelos fabricantes de medicamentos genéricos e que sejam potencialmente ilibatórios, devem figurar no processo ao qual o fabricante de medicamentos originais tem, em princípio, acesso, pelo que esse fabricante tem a possibilidade de identificar eventuais obstáculos intransponíveis para esses fabricantes de medicamentos genéricos, se existirem, e de os invocar no procedimento administrativo ou no Tribunal Geral.

127    Improcede, portanto, a terceira parte do segundo fundamento e, com ela, todo o segundo fundamento.

c)      Quanto aos critérios relativos à qualificação de restrição da concorrência por objetivo (primeiro fundamento)

1)      Argumentos das partes

128    Com o seu primeiro fundamento, a Servier contesta os critérios com base nos quais o Tribunal Geral considerou que as transações controvertidas constituíam restrições da concorrência por objetivo. Este fundamento está dividido em três partes.

129    Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a Servier alega que, de acordo com as Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.° 56), o conceito de restrição da concorrência por objetivo, que deve ser objeto de interpretação estrita, está reservado aos comportamentos cujo caráter nocivo é, à luz da experiência adquirida e da ciência económica, comprovado e facilmente detetável.

130    Ora, segundo a Servier, esta experiência não existia à data da decisão controvertida. Com efeito, na falta de decisões anteriores dessa instituição ou dos tribunais da União, o presente processo correspondia a uma situação então inédita. A Servier alega, a este respeito, que o Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:643) não é relevante, uma vez que não diz respeito a uma transação em matéria de patentes farmacêuticas. O pedido de decisão prejudicial que deu origem ao Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52) demonstra que a qualificação de restrição da concorrência por objetivo para esse tipo de transação continuava incerta e controversa. O presente processo diferia também daquele que deu origem ao Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243), posterior aos factos do caso presente, no qual os acordos em causa não tinham realmente por objeto resolver um litígio.

131    Além disso, a Servier contesta o caráter facilmente detetável das infrações ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE que lhe foram imputadas. A Comissão, o Tribunal Geral, a jurisprudência dos tribunais dos Estados Unidos da América e a doutrina anterior à adoção da decisão controvertida admitem que uma transação em matéria de patentes farmacêuticas não é, em si mesmo, anticoncorrencial. Aliás, foram necessárias várias centenas de páginas à Comissão para articular o seu raciocínio sobre este ponto.

132    Com a segunda parte do seu primeiro fundamento, a Servier, apoiada pela EFPIA, acusa o Tribunal Geral de não ter retirado nenhuma consequência da regra, enunciada no n.° 304 do acórdão recorrido e no n.° 56 das Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958), segundo a qual não estão abrangidos pelo conceito de restrição da concorrência por objetivo os acordos que apresentem efeitos potenciais ambivalentes no mercado ou que sejam necessários à prossecução de um objetivo principal não restritivo da concorrência.

133    Entende, a este respeito, que as transações que põem termo a um litígio relativo a uma patente, sem exceder o alcance dessa patente, são legítimos e conformes ao interesse público. No caso, a Servier observa que, embora três dos dez oponentes à patente 947 tenham desistido do processo no IEP após terem celebrado uma transação com a Servier, isso não produziu efeitos, uma vez que esse processo prosseguiu o seu curso. Além disso, entre as transações controvertidas, as transações Teva e Lupin podiam ter tido como efeito pró‑concorrencial antecipar a data de entrada no mercado de medicamentos genéricos não contrafeitos.

134    Com a terceira parte do seu primeiro fundamento, a Servier alega que o Tribunal Geral não teve em consideração o contexto económico e jurídico das transações controvertidas. Afirma que o Tribunal Geral se limitou, no n.° 272 do acórdão recorrido, a considerar que se incorre nessa qualificação quando um acordo, por um lado, comporta um pagamento ou uma vantagem incentivadora em relação a um fabricante de medicamentos genéricos, bem como cláusulas de não contestação e de não comercialização, e, por outro, é celebrado entre empresas em situação de concorrência potencial, sendo esta situação definida de forma lata.

135    A Servier observa, a título preliminar, que qualquer acordo que limite a liberdade comercial de um concorrente não é necessariamente restritivo da concorrência. Essa qualificação está excluída quando esta restrição for acessória de um acordo legítimo, nomeadamente no que respeita a cláusulas de não contestação previstas numa transação em matéria de patentes. A Servier invoca a este respeito o ponto 209 das Orientações relativas aos acordos de transferência de tecnologia de 2004.

136    A Servier alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 269 a 271 do acórdão recorrido, que a existência de um pagamento dito «compensatório», ou seja, um pagamento do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos destinado a incentivá‑lo a transigir, permite qualificar tal acordo de restrição da concorrência por objetivo. Ora, devido ao caráter excessivamente abstrato desta apreciação, o Tribunal Geral ignorou as singularidades e os efeitos reais e concretos das transações controvertidas.

137    No caso, os elementos de contexto relevantes demonstram que a entrada de fabricantes de medicamentos genéricos no mercado do perindopril não foi atrasada por causa das transações controvertidas, mas sim em razão da patente 947. Todos os fabricantes de medicamentos genéricos que se opuseram a essa patente foram obrigados a esperar pelo expirar desta para entrarem nesse mercado.

138    A Servier sublinha, a este respeito, que o Tribunal Geral declarou que os acordos Krka não constituíam uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, após ter tido em consideração os efeitos destes acordos e o reconhecimento da validade da patente 947 por essa empresa. Assim, confirmou que as cláusulas de não contestação e de não comercialização não são intrinsecamente nocivas para a concorrência.

139    Em segundo lugar, a Servier alega que, contrariamente ao que resulta do n.° 267 do acórdão recorrido, um pagamento compensatório não é, em si mesmo, anticoncorrencial, podendo explicar‑se pela força da patente em causa. Com efeito, uma patente forte incentiva os fabricantes de medicamentos genéricos a transigir. Em conformidade com a jurisprudência resultante do Acórdão de 25 de fevereiro de 1986, Windsurfing International/Comissão (193/83, EU:C:1986:75, n.° 26), o Tribunal Geral devia ter tomado em consideração esse elemento objetivo. No caso, a força da patente 947 foi reconhecida pela Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e pela High Court of Justice (Inglaterra e País de Gales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery (Secção de Patentes), Reino Unido], que decretou injunções cautelares contra a Apotex e a Krka, o que, aliás, o Tribunal Geral tomou em consideração, no n.° 971 do acórdão recorrido, ao declarar que tinham constituído «um dos elementos desencadeadores» conducentes aos acordos Krka.

140    Ao afirmar, no n.° 280 do acórdão recorrido, que se pode presumir o objetivo anticoncorrencial de uma transação quando esse pagamento exceda as despesas inerentes à transação em matéria de patentes, sem que a Comissão tenha que demonstrar que correspondem, pelo menos, aos ganhos esperados pelo fabricante de medicamentos genéricos, o Tribunal Geral baseou‑se numa conceção extensiva do conceito de restrição da concorrência por objetivo. Ora, esta conceção extensiva não só se afastaria dos princípios reconhecidos pela jurisprudência como equivaleria, além disso, a isentar a Comissão do ónus da prova da infração cuja existência alega.

141    A Comissão, apoiada pelo Reino Unido, contesta esta argumentação.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

142    No que respeita aos critérios que permitem qualificar uma transação em matéria de patentes de restrição da concorrência por objetivo, a Servier alega, em substância, nas três partes invocadas em apoio do seu primeiro fundamento, a analisar em conjunto, que essa qualificação está reservada aos acordos cujo caráter nocivo esteja demonstrado e seja facilmente detetável. Não é aplicável àqueles cujos efeitos potenciais no mercado são ambivalentes ou que são necessários à prossecução de um objetivo principal não restritivo da concorrência. Ora, não tendo aplicado esses critérios, o Tribunal Geral cometeu erros de direito.

143    Refira‑se, antes de mais, que, tendo em conta os critérios recordados nos n.os 69 a 77 do presente acórdão com base nos quais um acordo entre empresas pode ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, esta argumentação deve ser rejeitada.

144    A Servier não tem razão ao alegar que essa qualificação deve ser rejeitada com fundamento, em particular, na inexistência de prática decisória anterior da Comissão relativa a tais acordos. Com efeito, de modo nenhum se exige que o mesmo tipo de acordos já tenha sido punido pela Comissão para poderem ser considerados restritivos da concorrência por objetivo, mesmo que ocorram num contexto específico como o dos direitos de propriedade intelectual. Apenas importam as características próprias desses acordos, das quais deve ser deduzida a eventual nocividade particular para a concorrência, se necessário na sequência de uma análise detalhada desses acordos, dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se inserem [Acórdãos de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão, C‑586/16 P, EU:C:2021:241, n.os 85 a 87, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.os 130 e 131].

145    De igual modo, a Servier não pode acusar o Tribunal Geral de não ter tido em conta efeitos positivos ou, pelo menos, ambivalentes na concorrência, aos quais as transações controvertidas fossem suscetíveis de dar origem, em seu entender, uma vez que, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 76 e 77 do presente acórdão, o exame dos efeitos desses acordos não é necessário, nem mesmo relevante, para determinar se podem ser qualificados de restrição da concorrência por objetivo.

146    Além disso, há que observar que, no caso, o Tribunal Geral enunciou, nos n.os 219 a 222 do acórdão recorrido, regras e princípios que correspondem, em substância, aos descritos nos n.os 69 a 77 do presente acórdão. Por conseguinte, os referidos números do acórdão recorrido não enfermam de um erro de direito.

147    Quanto à argumentação relativa à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às restrições acessórias a acordos legítimos, refira‑se que o Tribunal Geral considerou, nos n.os 282 a 291 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha razão ao não examinar se havia que aplicar essa jurisprudência.

148    A este respeito, importa sublinhar que se uma operação ou uma atividade determinada, devido à sua neutralidade, não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.°, n.° 1, TFUE no sentido de que não implica nenhuma restrição da concorrência, uma restrição acessória à autonomia comercial de um ou mais dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.° 89 e jurisprudência referida).

149    Com efeito, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e os objetos destas, há que analisar a compatibilidade dessa restrição com o artigo 101.° TFUE juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal da qual é acessória, mesmo apesar de, tomada isoladamente, essa restrição poder, à primeira vista, parecer abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.° 70).

150    Quando se trate de determinar se uma restrição pode ficar fora da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, por constituir um acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível sem a restrição em causa. Não se pode considerar que o facto de a referida operação se tornar simplesmente mais difícil de realizar ou até menos rentável sem a restrição em causa lhe confere o caráter objetivamente necessário exigido para poder ser qualificada de «acessória». Com efeito, tal interpretação equivaleria a alargar esse conceito a restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Esse resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.° 71).

151    No caso, o Tribunal Geral considerou, no n.° 291 do acórdão recorrido, que as restrições da concorrência resultantes das cláusulas de não contestação e de não comercialização estipuladas nas transações controvertidas não assentavam num reconhecimento da validade das patentes da Servier mas sim numa transferência de valor desta para o fabricante de medicamentos genéricos em causa que constituía um incentivo para este fabricante renunciar a exercer pressão concorrencial sobre a Servier. Assim, rejeitou a aplicação da jurisprudência recordada no n.° 148 do presente acórdão pelo facto de as transações controvertidas constituírem restrições da concorrência por objetivo que não podem ser qualificadas de «operações desprovidas de caráter anticoncorrencial» devido à sua alegada neutralidade no plano da concorrência. Por outro lado, referiu que as cláusulas de não contestação e de não comercialização só podiam ser um acessório necessário de uma transação baseada num reconhecimento da validade da patente em causa pelas partes nessa transação, o que não se verificava no caso. Nestas condições, foi com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.° 291 do acórdão recorrido, que a Comissão podia validamente abster‑se de examinar a aplicação dessa jurisprudência relativa às restrições acessórias.

152    Nos n.os 296 a 307 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou as alegações da Servier de que, uma vez que os efeitos das transações controvertidas na concorrência eram por natureza ambivalentes, esses acordos não podiam ser qualificados de restrição da concorrência por objetivo.

153    Neste contexto, no n.° 304 desse acórdão, considerou que a Comissão e o julgador não podem, na análise do caráter restritivo do objetivo de um acordo e, em particular, no âmbito da consideração do seu contexto económico e jurídico, ignorar completamente os efeitos potenciais desse acordo, pelo que não podem ser considerados restritivos da concorrência por objetivo os acordos que, em face do contexto em que se inserem, têm efeitos potenciais ambivalentes no mercado.

154    Todavia, este fundamento é contrário à jurisprudência recordada nos n.os 73, 76 e 77 do presente acórdão, segundo a qual, nos casos de práticas qualificadas de restrições da concorrência por objetivo, não há que procurar nem, a fortiori, demonstrar os seus efeitos na concorrência, sejam eles reais ou potenciais e negativos ou positivos.

155    Com base nesse erro de direito, o Tribunal Geral decidiu, nos n.os 305 e 306 do acórdão recorrido, conhecer das alegações da Servier relativas aos efeitos ambivalentes das transações controvertidas no âmbito do exame dos fundamentos específicos de cada um desses acordos. Refira‑se, porém, sem prejuízo do exame que se segue dos argumentos da Servier relativos a cada um desses acordos, apresentados no âmbito dos seus terceiro a quinto fundamentos do presente recurso, que, em princípio, esse erro de direito não tem nenhuma consequência para a legalidade do acórdão recorrido, uma vez que, de qualquer forma e por outras razões, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos os argumentos relativos aos efeitos alegadamente pró‑concorrenciais ou ambivalentes das transações controvertidas apresentados pela Servier em primeira instância.

156    A esse respeito, a Servier alega, no essencial, que o Tribunal Geral recusou ter em consideração o facto de as transações controvertidas não terem por objetivo prejudicar a concorrência, mas sim pôr termo aos litígios que a opunham aos fabricantes de medicamentos genéricos, uma vez que reconheciam a força da patente 947. A transação Lupin teve, além disso, por objetivo uma entrada antecipada da Lupin no mercado e a transação Teva teve por objetivo essencial o fornecimento da Teva em perindopril. A Servier sublinha, neste contexto, que, no entanto, o Tribunal Geral teve em consideração o reconhecimento da validade dessa patente pela Krka e considerou que os acordos celebrados com essa empresa não constituíam uma infração ao artigo 101.° TFUE.

157    Contudo, basta recordar que, embora os objetivos que os acordos visam alcançar em relação à concorrência sejam, na verdade, relevantes para apreciar o seu eventual objetivo anticoncorrencial, o facto de as empresas envolvidas terem agido sem terem a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 167 e jurisprudência referida). Assim, o facto de uma estratégia comercial que consiste em as empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção negociarem tais acordos entre si para porem termo a um litígio relativo à validade de uma patente ser economicamente racional do ponto de vista dessas empresas de nenhuma forma demonstra que a prossecução dessa estratégia seja justificável do ponto de vista do direito da concorrência.

158    Além disso, a alegação da Servier de uma contradição entre as apreciações feitas pelo Tribunal Geral a respeito das transações controvertidas e as apreciações feitas a respeito dos acordos Krka deve ser rejeitada pelas razões expostas nos n.os 114 a 117 do presente acórdão. Com efeito, nos n.os 442 a 474 do acórdão hoje proferido no processo Comissão/Servier e o. (C‑176/19 P), o Tribunal de Justiça, após ter dado provimento parcial ao recurso da Comissão, rejeitou definitivamente a argumentação da Servier que visava contestar a qualificação das transações e dos acordos de licença celebrados com a Krka como restrições da concorrência por objetivo. Na falta dessa contradição, improcede esta alegação.

159    No que respeita à importância a atribuir aos pagamentos compensatórios para efeitos da qualificação de restrição da concorrência por objetivo de transações em matéria de patentes, o Tribunal Geral, nos n.os 256 a 273 do acórdão recorrido, expôs, em substância, que a presença, neste tipo de acordos, de cláusulas restritivas da concorrência, como cláusulas de não contestação e de não comercialização, quando associada a um pagamento compensatório, pode dar origem a essa qualificação, se esse pagamento não for justificado por uma contrapartida diferente da que consiste no compromisso de o fabricante de medicamentos genéricos renunciar a concorrer com o fabricante de medicamentos originais titular da ou das patentes em causa.

160    Nos n.os 277 a 280 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou, no essencial, que, para determinar se esse pressuposto está preenchido, há que examinar se esse pagamento compensatório visa compensar os custos inerentes à transação suportados pelo fabricante de medicamentos genéricos. O Tribunal precisou que esses custos incluem, nomeadamente, as despesas suportadas no âmbito dos litígios objeto da transação, desde que essas despesas tenham sido determinadas pelas partes nessa transação e não sejam desproporcionadas em relação ao montante das despesas objetivamente indispensáveis para o processo contencioso. Em contrapartida, segundo o acórdão recorrido, esses custos não incluem o valor das existências de medicamentos contrafeitos nem as despesas de investigação e desenvolvimento efetuadas para desenvolver esses medicamentos. Esses custos excluem igualmente, em princípio, os montantes devidos a título de indemnização, nomeadamente de rescisão, a título de contratos celebrados pelo fabricante de medicamentos genéricos com terceiros.

161    Com a sua argumentação resumida nos n.os 139 e 140 do presente acórdão, a Servier contesta este raciocínio, alegando que equivale a considerar constitutivo de um pagamento compensatório qualquer pagamento que exceda o montante das despesas inerentes à transação no litígio, ainda que esse montante seja inferior ao dos ganhos que o fabricante de medicamentos genéricos podia esperar retirar da sua entrada no mercado.

162    Por outro lado, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.° 280 do acórdão recorrido, que, em princípio, não fazem parte das despesas inerentes à resolução de um litígio em matéria de patentes, as indemnizações que um fabricante de medicamentos genéricos pode ter de pagar a terceiros devido ao prejuízo que estes últimos sofreram em consequência da decisão desse fabricante de renunciar à comercialização do medicamento genérico objeto desse litígio.

163    A este respeito, há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência, um fabricante de medicamentos genéricos pode, após ter avaliado as suas possibilidades de obter ganho de causa no processo judicial que o opõe ao fabricante do medicamento original em causa, decidir renunciar a entrar no mercado em causa e celebrar com este uma transação nesse processo. Tal transação não pode ser considerada em todos os casos uma restrição por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. O facto de essa transação ser acompanhada de transferências de valor pelo fabricante de medicamentos originais a favor de um fabricante de medicamentos genéricos também não constitui um motivo suficiente para a qualificar de restrição da concorrência por objetivo, uma vez que essas transferências de valor se podem revelar justificadas. Pode ser esse o caso quando o fabricante de medicamentos genéricos receba do fabricante do medicamento original quantias que correspondam efetivamente à compensação de custos ou de inconvenientes relacionados com o litígio que os opõe ou que correspondam a uma remuneração pelo fornecimento ou pela prestação efetivos, imediatos ou posteriores, de bens ou de serviços ao fabricante de medicamentos originais [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.os 84 a 86].

164    Por conseguinte, quando uma transação num litígio relativo à validade de uma patente que opõe um fabricante de medicamentos genéricos a um fabricante de medicamentos originais, titular dessa patente, é acompanhado de transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos, há que verificar, num primeiro momento, se o saldo líquido positivo dessas transferências se pode justificar de forma integral, conforme previsto no número anterior, pela necessidade de compensar custos ou inconvenientes associados a esse litígio, como os custos e honorários dos conselhos deste último fabricante, ou de remunerar o fornecimento efetivo e comprovado de bens ou serviços ao fabricante do medicamento original [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.° 92]. Com efeito, a transação nesse litígio implica que o fabricante de medicamentos genéricos reconheça a validade da patente em causa, uma vez que renuncia a contestá‑la. Daí resulta que, a título de um pagamento dito «compensatório», pelo fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos, só a assunção desses custos ou a remuneração desses bens ou serviços fornecidos pode ser considerada coerente com esse reconhecimento e, por conseguinte, suscetível de ser justificada face à concorrência.

165    Num segundo momento, embora esse saldo líquido positivo das transferências não seja integralmente justificado por essa necessidade, importa verificar se, na falta dessa justificação, essas transferências se explicam unicamente pelo interesse comercial desses fabricantes de medicamentos em não concorrerem pelo mérito. Para efeitos deste exame, há que determinar se o referido saldo, incluindo eventuais despesas justificadas, é suficiente para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos a renunciar a entrar no mercado em causa, sem que seja necessário que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que teria obtido se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 87 a 94].

166    Daí resulta que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no essencial, nos n.os 277 a 280 do acórdão recorrido, que a assunção pela Servier das despesas de contencioso suportadas por um fabricante de medicamentos genéricos, no âmbito do litígio que os opunha e foi resolvido por transação, era justificada pela «inerência» dessas despesas a essa transação, desde que não fossem excessivas e, desse modo, desproporcionadas, mas que outras despesas demasiado «externas» ao litígio e à sua resolução não pudessem ser consideradas inerentes a estes. Com efeito, este critério, dado ter em consideração as circunstâncias em que é possível justificar o pagamento dito «compensatório» das despesas para concluir pela inexistência de uma transferência de valor de incentivo, corresponde, no essencial, à que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça lembrada nos n.os 163 e 164 do presente acórdão.

167    No que respeita especificamente à assunção pelo fabricante de medicamentos originais das indemnizações que o fabricante de medicamentos genéricos possa eventualmente ter que pagar a terceiros, refira‑se, como faz a advogada‑geral no n.° 159 na parte das suas conclusões consagrada à situação da Niche, que um pagamento desta natureza não é consequência direta da vontade dos fabricantes de medicamentos de resolverem por transação os litígios que os opõem a respeito de patentes, mas sim da renúncia do fabricante de medicamentos genéricos a entrar no mercado do medicamento em causa. Daí resulta que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito, no n.° 280 do acórdão recorrido, ao declarar, em substância, que o reembolso de tais indemnizações não pode ser considerado inerente a uma transação como as transações controvertidas.

168    Tendo em conta estes elementos, e contrariamente à argumentação da Servier, o Tribunal Geral também não procedeu, no n.° 280 do acórdão recorrido, a uma inversão do ónus da prova. Abstraindo dos termos utilizados no referido número, o Tribunal Geral limitou‑se, em substância, a considerar que os custos eventualmente devidos a terceiros pelo fabricante de medicamentos genéricos a título de indemnização pela sua decisão de renunciar à entrada no mercado em causa devem, quando assumidos pelo fabricante de medicamentos originais, ser incluídos entre as transferências de valor a favor do fabricante de medicamentos genéricos cujo saldo líquido positivo deve ser analisado. Ao precisar, no mesmo n.° 280, que «[c]ompete então às partes no acordo, caso pretendam que o pagamento destas despesas não seja qualificado como incentivo e constitutivo de um indício da existência de uma restrição de concorrência por objetivo, demonstrar que estas são inerentes ao litígio ou à sua resolução, e em seguida justificar o seu montante», o Tribunal Geral fez uma aplicação exata das regras da repartição do ónus da prova recordadas no n.° 123 do presente acórdão.

169     Em face destes elementos e tendo em conta, nomeadamente, o facto de, sem prejuízo das considerações expostas no n.° 155 do presente acórdão no exame dos fundamentos terceiro a quinto, o erro de direito de que padece o n.° 304 do acórdão recorrido ser irrelevante para a legalidade do acórdão recorrido, em princípio, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

C.      Quanto aos fundamentos terceiro e sexto relativos às transações Niche e Matrix

1.      Quanto ao terceiro fundamento

170    Com o seu terceiro fundamento, a Servier contesta as apreciações feitas pelo Tribunal Geral sobre a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE às transações Niche e Matrix. Este fundamento de recurso inclui duas partes.

a)      Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

1)      Argumentos das partes

171    Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a Servier alega que, ao considerar que a Niche e a Matrix eram seus concorrentes potenciais, o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito.

172    Numa primeira alegação, a Servier afirma que o Tribunal Geral apreciou erradamente os obstáculos à entrada no mercado do perindopril resultantes da força das patentes da Servier.

173    Desde logo, ao reiterar, em substância, os argumentos invocados no âmbito do seu segundo fundamento, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter rejeitado por princípio, no n.° 444 do acórdão recorrido, a relevância da perceção que a Niche e a Matrix podiam ter destes obstáculos de patente na análise da sua capacidade de entrar no mercado, ao declarar que só a declaração de atos de contrafação por uma decisão judicial podia constituir um obstáculo intransponível à sua entrada no mercado.

174    Seguidamente, o Tribunal Geral não teve em consideração tanto o facto de os clientes da Niche, e mais especificamente a Sandoz, terem rescindido os seus acordos com esta empresa em razão do risco de contrafação, como as tentativas da Matrix destinadas a desenvolver uma forma não contrafatora da sua versão genérica do perindopril. Ora, segundo a Servier, estes elementos constituem indícios objetivos da existência de obstáculos de patente à entrada dessas empresas no mercado.

175    Por último, o Tribunal Geral não verificou se a Niche e a Matrix tinham uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado a curto prazo. Ora, segundo a Servier, a Niche não podia ultrapassar rapidamente os obstáculos de patente.

176    A Servier alega por acréscimo que, nos n.os 446 e 447 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao afirmar que a Niche, com as suas diligências junto da Servier, procurava «abrir a via» e entrar no mercado do perindopril apesar dos obstáculos de patente. Na realidade, a Niche, que sabia que o seu perindopril era contrafeito, pretendia evitar um litígio com a Servier.

177    Com uma segunda alegação, a Servier afirma que, ao declarar que as diligências levadas a cabo pela Niche e pela Matrix eram suficientes para demonstrar que estas empresas podiam entrar a curto prazo no mercado do perindopril, o Tribunal Geral cometeu erros de direito.

178    Primeiro, o Tribunal Geral confundiu a capacidade de entrar no mercado com a intenção de entrar nesse mercado. A capacidade de entrar no mercado depende da existência de obstáculos resultantes de patentes. Em contrapartida, diligências como as que visam obter uma autorização de introdução no mercado não bastam, por si só, para provar essa capacidade, como resulta dos n.os 458 e 476 do acórdão recorrido. A Servier remete, a este respeito, para a sua argumentação desenvolvida no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, resumida no n.° 94 do presente acórdão.

179    Em segundo lugar, a Servier alega que, para demonstrar que a Niche e a Matrix podiam entrar no mercado do perindopril, cabia à Comissão analisar as dificuldades técnicas, regulamentares, de patente e financeiras com que essas empresas se confrontavam. Ora, os elementos apresentados pelo Tribunal Geral, nos n.os 461, 462 e 480 do acórdão recorrido, confirmam que a Comissão só tinha examinado as diligências efetuadas por essas empresas. Entende que, ao não criticar a falta de análise das hipóteses reais e concretas que a Niche e a Matrix tinham de ultrapassar os problemas técnicos e regulamentares, o Tribunal Geral não cumpriu a sua obrigação de fiscalização jurisdicional e cometeu um erro de direito.

180    Com uma terceira alegação, a Servier alega que, ao impor‑lhe, nos n.os 463, 480, 483 a 486, 489 e 498 do acórdão recorrido, que demonstrasse que a entrada da Niche e da Matrix no mercado do perindopril se confrontava com obstáculos intransponíveis, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova que cabe à Comissão por força do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003. A Servier remete, neste sentido, para a sua argumentação apresentada no âmbito da terceira parte do seu segundo fundamento.

181    Com uma quarta alegação, a Servier alega que o Tribunal Geral não examinou se os obstáculos encontrados pela Niche e pela Matrix para entrar no mercado do perindopril, considerados no seu conjunto, impediam que se considerasse que estas empresas eram seus concorrentes potenciais. O facto de cada um desses obstáculos, considerado individualmente, ser ultrapassável, não significa que a Niche e a Matrix pudessem ultrapassá‑los todos em conjunto. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral violou a sua obrigação de fiscalização jurisdicional e a sua obrigação de não examinar as provas consideradas separadamente, mas sim na sua globalidade.

182    Com uma quinta alegação, a Servier alega que o Tribunal Geral, no n.° 481 do acórdão recorrido, fez uma interpretação errada do princípio da boa administração. Por força deste princípio, a Comissão é obrigada a examinar todos os elementos relevantes para analisar uma dada situação e, se necessário, a pedir informações adicionais a fim de verificar e fundamentar as suas conclusões. Ora, a Comissão recusou deferir o requerimento da Servier no procedimento administrativo destinado a obter a apresentação da correspondência entre a Niche ou os seus parceiros e as autoridades nacionais a respeito de pedidos de autorização de introdução no mercado de uma versão genérica do perindopril. O Tribunal Geral, no n.° 481 do acórdão recorrido, julgou improcedente a alegação da Servier relativa à violação do princípio da boa administração com o fundamento, nomeadamente, de que os documentos pedidos não tinham uma «importância considerável». Segundo a Servier, a aplicação de tal critério alheio à jurisprudência do Tribunal de Justiça constitui um erro de direito.

183    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

184    Com a sua primeira alegação, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter tido suficientemente em conta os obstáculos de patente. Todavia, os três argumentos apresentados a título principal em apoio desta alegação, referidos nos n.os 173 a 175 do presente acórdão, abstraem do facto de o Tribunal Geral ter tido efetivamente em conta os obstáculos de patente e se basearem, nessa medida, numa leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, conforme referido no n.° 108 do presente acórdão, o Tribunal Geral não considerou, nomeadamente no n.° 444 do acórdão recorrido, que a perceção por um fabricante de medicamentos genéricos da força de uma patente é totalmente irrelevante para aferir da existência de uma relação de concorrência potencial entre a Servier, por um lado, e a Niche e a Matrix, por outro, e que essa perceção só pode ser relevante para determinar se a Niche e a Matrix tinham a intenção de entrar no mercado e não para apreciar a sua capacidade de efetuar tal entrada. Ora, como se considerou nos n.os 107 a 111 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito a este respeito.

185    Quanto à omissão do Tribunal Geral de ter em conta o facto de os clientes da Niche, mais especificamente a Sandoz, terem posto termo à sua cooperação com esta empresa relativa à comercialização do perindopril em razão do risco de contrafação, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentação não impõe ao Tribunal Geral que forneça uma exposição que siga, de forma exaustiva e um a um, todos os raciocínios articulados pelas partes no litígio e que a fundamentação pode, portanto, ser implícita desde que permita aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Tudapetrol Mineralölerzeugnisse Nils Hansen/Comissão, C‑94/15 P, não publicado, EU:C:2017:124, n.° 21 e jurisprudência referida).

186    É certo que o Tribunal Geral não respondeu expressamente a esta argumentação da Servier mas, como sublinha a Comissão e como resulta do considerando 465 da decisão controvertida sem que a Servier impugne esse facto, a decisão da Sandoz tinha sido tomada em janeiro de 2004, ou seja, antes da decisão da Niche e da Matrix de alterarem o seu processo de fabrico do perindopril e, portanto, antes das diligências preparatórias da Niche e da Matrix descritas nos n.os 433 a 440, bem como nos n.os 446 e 447 do acórdão recorrido, nas quais o Tribunal Geral se baseou para demonstrar a intenção dessas empresas de entrarem nos mercados europeus do perindopril. Nestas condições, uma vez que, de qualquer forma, a circunstância factual em questão não é suscetível de ter incidência nas constatações do Tribunal Geral, este último não violou o dever de fundamentar os seus acórdãos ao não responder expressamente à argumentação da Servier a esse respeito.

187    Quanto à argumentação relativa às tentativas da Matrix que visam desenvolver uma forma não contrafatora da sua versão genérica do perindopril, basta observar que visa pôr em causa a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral no n.° 447 do acórdão recorrido e que deve, portanto, ser julgada inadmissível.

188    No que respeita ao argumento de que o Tribunal Geral não verificou se a Niche e a Matrix tinham uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado a curto prazo, importa recordar que assenta num critério jurídico errado, pois, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 80 do presente acórdão, as diligências preparatórias do fabricante de medicamentos genéricos devem permitir‑lhe aceder ao mercado em causa num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. De qualquer forma, resulta dos n.os 442 a 499 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral examinou esta questão de forma aprofundada antes de concluir que a pressão concorrencial exercida pela Niche e pela Matrix era real.

189    Quanto ao argumento que a Servier invoca por acréscimo em apoio da sua primeira alegação, há que declará‑lo inadmissível. Com efeito, a coberto de uma alegada desvirtuação, a Servier, ao alegar, em particular, que a iniciativa da Niche de «abrir a via» a uma entrada no mercado não tinha sido tomada de boa‑fé, visa, na realidade, contestar as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral no n.° 446 do acórdão recorrido, o que não é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância, como foi recordado no n.° 58 do presente acórdão.

190    Daí resulta que a primeira alegação da Servier, resumida no n.° 173 do presente acórdão, deve ser julgada improcedente.

191    Com a sua segunda alegação, a Servier contesta num primeiro argumento o entendimento do Tribunal Geral de que as diligências efetuadas para obter autorizações de introdução no mercado podem ser tidas em conta para demonstrar a existência de uma concorrência potencial. Todavia, este argumento deve ser rejeitado pelos motivos expostos no n.° 118 do presente acórdão, em que a segunda parte do segundo fundamento foi julgada improcedente. Com efeito, as diligências como as que visam obter uma autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico são relevantes para provar tanto a capacidade como a intenção de o fabricante desse medicamento entrar no mercado [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, ECLI:EU:C:2020:52, n.° 44].

192    Com um segundo argumento, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter analisado a probabilidade de a Niche e a Matrix conseguirem ultrapassar as dificuldades técnicas e regulamentares com que se deparavam.

193    Este argumento não pode ser acolhido.

194    Antes de mais, assenta numa premissa juridicamente errada. Com efeito, contrariamente ao que alega a Servier, salvo negando qualquer distinção entre concorrência real e concorrência potencial, a existência de concorrência potencial não exige que se demonstre que os fabricantes de medicamentos genéricos teriam entrado com certeza no mercado e que tal entrada teria sido coroada de sucesso, mas unicamente que esses fabricantes dispunham de possibilidades reais e concretas para esse efeito (Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 63).

195    Em seguida, há que observar que o Tribunal Geral procedeu, nos n.os 442 a 499 do acórdão recorrido, a um exame circunstanciado e detalhado dos obstáculos alegadamente intransponíveis encontrados pela Niche e pela Matrix, nos planos das patentes, técnico, regulamentar e financeiro. Com base neste exame e no termo de uma apreciação dos factos e das provas que lhe foram apresentados, o Tribunal Geral rejeitou as alegações em que a Servier impugnava o facto de a Niche e a Matrix terem a capacidade e a intenção de entrar no mercado. Ora, tendo estes elementos em conta, a Servier não pode alegar que o Tribunal Geral não procedeu a uma análise completa de todos os obstáculos invocados para impugnar a existência de uma relação de concorrência potencial com a Niche e com a Matrix.

196    Por último, uma vez que a Servier impugna essas considerações de facto efetuadas pelo Tribunal Geral na análise, basta observar que tal argumentação é inadmissível em segunda instância.

197    Com a sua terceira alegação, a Servier alega que o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova relativo aos obstáculos intransponíveis à entrada no mercado em causa. Contudo, basta lembrar que, pelos motivos expostos nos n.os 123 a 125 do presente acórdão, a argumentação da Servier relativa a uma inversão do ónus da prova e de uma probatio diabolica foi rejeitada. Por conseguinte, esta terceira alegação deve igualmente ser rejeitada.

198    Com a sua quarta alegação, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter examinado os obstáculos encontrados pela Niche e pela Matrix de forma global, mas sim de forma separada.

199    Contrariamente ao que alega a Comissão, esta quarta alegação não é inadmissível por não ter sido invocada pela Servier no seu recurso em primeira instância. Com efeito, sendo esta alegação dirigida contra a aplicação pelo Tribunal Geral das regras do ónus e da apreciação da prova, pode ser suscitada em segunda instância.

200    Quanto ao mérito, há que lembrar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prova de uma infração em matéria de direito da concorrência pode ser feita, pela Comissão, através de um conjunto de indícios objetivos e concordantes que, apreciados no seu conjunto, possam constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova dessa infração, mesmo que um ou outro desses indícios não seja, por si só, suficiente para esse efeito (Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214P, n.° 101 e jurisprudência referida).

201    No que respeita à prova da existência da concorrência potencial exercida por um fabricante de medicamentos genéricos sobre um fabricante de medicamentos originais, em conformidade com a jurisprudência recordada no número anterior e como foi declarado nos n.os 123 a 125 do presente acórdão e, como referido nos seus n.os 123 a 125, se a Comissão conseguir demonstrar, com base num conjunto de indícios concordantes e sem ignorar os eventuais obstáculos a uma entrada no mercado de que tenha conhecimento, a existência de concorrência potencial, incumbe então às empresas visadas refutarem a existência dessa concorrência fazendo prova em contrário.

202    Se subsistir uma dúvida no espírito do julgador, esta deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração, tendo em conta a presunção de inocência que se aplica aos processos relativos a violações das normas da concorrência suscetíveis de levar à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Hansen la Rosenthal e H; R Wax Company Vertrieb/Comissão, C‑90/15 P, EU:C:2017:123, n.° 18 e jurisprudência referida).

203    Ora, no caso, o Tribunal Geral expôs, nos n.os 432 a 440 do acórdão recorrido, que os indícios reunidos pela Comissão e referidos na decisão controvertida permitiam considerar que a Niche e a Matrix eram concorrentes potenciais da Servier, e, nos n.os 441 a 499 desse acórdão, examinou todos os obstáculos possíveis à sua entrada no mercado de que tinha conhecimento. Consequentemente, considerou, sem cometer nenhum erro de direito, que cabia a essa empresa fazer prova em contrário, baseando‑se, sendo caso disso, noutros obstáculos a essa entrada. Como sublinhado no n.° 195 do presente acórdão, no termo de um exame completo, circunstanciado e detalhado da argumentação da Servier, o Tribunal Geral rejeitou as alegações que impugnavam que a Niche e a Matrix tivessem a capacidade e a intenção de entrar no mercado.

204    Tendo em conta estes elementos, refira‑se, por outro lado, que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao examinar um a um os alegados obstáculos a uma entrada no mercado da Niche e da Matrix, sem verificar também se, não obstante o facto de nenhum desses obstáculos ser intransponível por si só, o seu efeito cumulativo dava, no entanto, origem a um obstáculo intransponível. Com efeito, tal exame não é, em princípio, necessário e como refere a advogada‑geral no n.° 91 das suas conclusões, a Servier não explicou, nem no Tribunal Geral nem em segunda instância, em que deveria ter consistido o exame das provas que acusa o Tribunal Geral de não ter efetuado a esse respeito.

205    Resulta destes elementos que a quarta alegação deve ser julgada improcedente.

206    Com a sua quinta alegação, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter declarado que a Comissão violou o princípio da boa administração por não ter ordenado a apresentação da correspondência entre a Niche ou os seus parceiros e as autoridades nacionais a respeito de pedidos de autorização de introdução no mercado de uma versão genérica do perindopril.

207    Há que observar que, de acordo com o exposto nos n.os 80 e 120 do presente acórdão no que respeita à relevância das diligências com vista à obtenção de autorizações de introdução no mercado para efeitos da apreciação da concorrência potencial, foi com razão que o Tribunal Geral recordou, no n.° 479 do acórdão recorrido, que, para determinar a existência da concorrência potencial, a Comissão se podia basear no facto de o fabricante do medicamento genérico ter pedido uma autorização de introdução no mercado e participado ativamente no procedimento com vista à concessão dessa autorização. Em contrapartida, compete a esse fabricante fornecer provas da existência de problemas que impeçam objetivamente a obtenção dessa autorização.

208    Contudo, como refere a advogada‑geral no n.° 103 das suas conclusões, e do mesmo modo que o resultado provável de um litígio pendente relativo à validade de uma patente não é determinante para apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial, como resulta da jurisprudência recordada no n.° 81 do presente acórdão, também não cabe à Comissão avaliar as possibilidades de sucesso ou o resultado provável de um procedimento de autorização de introdução no mercado instaurado junto das autoridades nacionais por esse fabricante num momento em que esse processo está, ou estava, em curso. Assim, na falta de uma decisão final que ponha termo a esse procedimento, os eventuais problemas que impeçam objetivamente a obtenção da autorização requerida não podem ser determinados com base em elementos relativos a dúvidas manifestadas pelas autoridades nacionais competentes, sem prejuízo da sua decisão final, quanto às possibilidades do procedimento de obtenção de uma autorização.

209    Tendo afirmado, no n.° 480 deste acórdão, que a Niche tinha apresentado vários pedidos de autorização de introdução no mercado e participado nos processos com vista à sua obtenção, o Tribunal Geral considerou, no n.° 481 do referido acórdão, que não se podia criticar a Comissão por ter recusado deferir o pedido de apresentação de toda a correspondência trocada entre a Niche e as autoridades competentes, no que respeita a estes procedimentos de autorização de introdução no mercado. O Tribunal Geral considerou, em substância, a esse respeito, que, uma vez que a Servier dispunha, no procedimento administrativo, de um quadro que resumia o conteúdo desta correspondência, a recusa da Comissão de ordenar a apresentação dos documentos em causa era justificada, uma vez que estes documentos não tinham uma «importância considerável» para a defesa da Servier. O Tribunal Geral sublinhou, nomeadamente, a este respeito, o facto de a Niche não ter apresentado a correspondência em causa, quer durante o procedimento administrativo quer no Tribunal Geral, em apoio das suas alegações destinadas a pôr em causa a sua própria qualidade de concorrente potencial da Servier.

210    No caso, refira‑se, tendo em conta o que se considerou no n.° 208 do presente acórdão, que o acesso requerido à correspondência em questão não era suscetível de permitir à Servier fornecer provas da existência de problemas que impedissem objetivamente a obtenção das autorizações de introdução no mercado requeridas pela Niche e pela Matrix. Assim, há que declarar que a Comissão não era obrigada a ordenar a apresentação dessa correspondência e que o Tribunal Geral não cometeu, portanto, nenhum erro de direito no caso presente ao não declarar uma violação do princípio da boa administração pela Comissão. Improcede, portanto, a quinta alegação.

211    Em face do exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

1)      Argumentos das partes

212    Com a segunda parte do terceiro fundamento, a Servier critica o Tribunal Geral por ter confirmado a qualificação das transações Niche e Matrix como restrição da concorrência por objetivo.

213    A título preliminar, a Servier refere‑se à sua argumentação desenvolvida no âmbito do seu primeiro fundamento, exposta nos n.os 129 a 140 do presente acórdão, através da qual alega que o Tribunal Geral aplicou, nos n.os 526, 552, 555, 557 e 558 do acórdão recorrido, critérios jurídicos contrários à jurisprudência relativa ao conceito de restrição da concorrência por objetivo.

214    Com uma primeira alegação, a Servier alega que o Tribunal Geral considerou erradamente que os pagamentos de 11,8 milhões de GBP pagos à Niche e à Matrix eram a contrapartida da renúncia destas empresas a fazerem‑lhe concorrência. Com efeito, resulta da redação da transação Niche que este montante era a contrapartida dos custos e das indemnizações que poderiam ser imputados à Niche e à Unichem devido à cessação do seu programa de desenvolvimento de uma versão genérica do perindopril que constituía uma contrafação das patentes da Servier. O Tribunal Geral considerou, erradamente, no n.° 537 do acórdão recorrido, que estes custos e estas indemnizações não eram inerentes à transação, quando essa transação expunha a Niche e a Matrix a um forte risco de a sua responsabilidade ser posta em causa. Entende que o Tribunal Geral, no n.° 539 do acórdão recorrido, se baseou erradamente no facto de os custos e as indemnizações efetivamente pagas pela Niche e pela Matrix serem inferiores aos 11,8 milhões de GBP que cada uma tinha recebido da Servier. Com efeito, trata‑se de elementos posteriores à data de celebração das transações Niche e Matrix, data em que o risco incorrido por estas empresas não podia ser avaliado com precisão.

215    Com uma segunda alegação, a Servier alega, em substância, que o Tribunal Geral, ao confirmar que os pagamentos de 11,8 milhões de GBP recebidos pela Niche e pela Matrix constituíram a contrapartida das cláusulas de não contestação e de não comercialização subscritas por estas últimas, cometeu três erros.

216    Primeiro, o Tribunal Geral recusou, no n.° 541 do acórdão recorrido, examinar o caráter incentivador desses pagamentos comparando o seu montante com os lucros que a Niche e a Matrix podiam cada uma esperar da sua entrada no mercado do perindopril. Segundo a Servier, esta comparação não é inútil, como declarou o Tribunal Geral, mas sim necessária. De resto, a Comissão efetuou tal comparação no considerando 1338 da decisão controvertida, cuja validade a Servier contestou no seu recurso em primeira instância. O Tribunal Geral substituiu, assim, a fundamentação da decisão controvertida pela sua.

217    Segundo, entende que, ao declarar que a Servier não tinha demonstrado que a quantia de 11,8 milhões de GBP era insuficiente para constituir um incentivo para renunciar à entrada no mercado em causa, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova e violou o princípio da presunção de inocência.

218    Terceiro, no n.° 563 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não teve em conta, a título do contexto das transações Niche, Matrix e Biogaran, os obstáculos de patente, regulamentares, técnicos e financeiros com os quais a Niche e a Matrix estavam confrontadas. Limitou‑se a examinar este contexto no âmbito da sua análise da concorrência potencial, quando, segundo a Servier, estes obstáculos constituem a verdadeira causa da aceitação das cláusulas de não contestação e de não comercialização.

219    No que respeita mais especificamente ao acordo Biogaran, a Servier nega que a quantia de 2,5 milhões de GBP paga à Niche a título deste acordo excedesse o valor dos processos de autorização de introdução no mercado transferidos para a Biogaran. Mesmo que fosse esse o caso, a Servier considera que isso não teria sido suficiente para demonstrar o caráter incentivador deste pagamento na falta de uma consideração do contexto desse acordo. A Servier sublinha que o montante desse pagamento, que só foi considerado pela decisão controvertida um incentivo complementar, era demasiado baixo para ter incentivado a Niche a transigir.

220    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

221    Com os seus argumentos preliminares, a Servier reitera que o Tribunal Geral aplicou critérios jurídicos errados para verificar a existência de uma restrição da concorrência por objetivo, remetendo para a argumentação invocada em apoio do seu primeiro fundamento. Estes argumentos preliminares devem ser rejeitados pelos mesmos motivos expostos nos n.os 85 a 106 do presente acórdão.

222    Com a sua primeira alegação, a Servier contesta a apreciação do Tribunal Geral de que os seus pagamentos de um montante de 11,8 milhões de GBP a favor da Niche e da Matrix foram efetuados em contrapartida da sua renúncia a entrar no mercado. Todavia, há que observar que esta argumentação assenta integralmente na premissa de que as indemnizações que um fabricante de medicamentos genéricos pode ter de pagar a terceiros pelo prejuízo que estes sofreram em consequência da decisão desse fabricante de renunciar à comercialização do medicamento genérico objeto deste litígio fazem, em princípio, parte das despesas inerentes à transação num litígio em matéria de patentes. Ora, pelos motivos expostos no n.° 167 do presente acórdão, esta premissa está errada. Improcede, pois, a primeira alegação.

223    Com a sua segunda alegação, a Servier entende, através de um primeiro argumento, que o Tribunal Geral devia ter comparado os pagamentos no montante de 11,8 milhões de GBP pagos à Niche e à Matrix com os lucros que estas podiam esperar da sua entrada no mercado do perindopril. Contudo, este argumento é improcedente. Com efeito, basta lembrar que, de acordo com o declarado no n.° 165 do presente acórdão, para verificar se as transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos constituem a contrapartida da sua renúncia a entrar no mercado em causa, há que determinar se o saldo positivo líquido dessas transferências de valor é suficiente para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos a essa renúncia, sem que seja necessário que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que teria realizado se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 87 a 94].

224    Com um segundo argumento, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter invertido o ónus da prova em relação à comparação referida no número anterior do presente acórdão. Contudo, resulta desse número que este argumento é inoperante, uma vez que essa alegada inversão do ónus da prova se refere a uma comparação que não era necessário efetuar.

225    Com um terceiro argumento, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter tido em conta os obstáculos com que a Niche e a Matrix estavam confrontadas. Há que observar que, com este argumento, a Servier contesta o caráter anticoncorrencial do objetivo prosseguido pelas transações Niche, Matrix e Biogaran, alegando que estas empresas não pretendiam transigir em razão do incentivo resultante de um pagamento compensatório oferecido pela Servier, mas sim dos obstáculos com que se confrontava o seu projeto de entrar no mercado do perindopril. Invoca, assim, a intenção dessas empresas e o facto de não prosseguirem um objetivo anticoncorrencial e sim legítimo.

226    A este respeito, há que lembrar que, como resulta dos n.os 159 a 168 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito nos n.os 277 a 280 do acórdão recorrido que vicie de ilegalidade a sua apreciação da situação da Niche e da Matrix, efetuada nos n.os 527 a 547 desse acórdão, no que respeita ao caráter incentivador das transferências de valor efetuadas a seu favor pela Servier e pela sua filial Biogaran. Quanto ao restante, visto que a Servier procura pôr em causa as apreciações factuais efetuadas pela Comissão a este respeito, as suas alegações são inadmissíveis.

227    Quanto aos argumentos da Servier relativos aos obstáculos de patente à entrada da Niche e da Matrix no mercado, não se pode deixar de observar que se sobrepõem com os argumentos apresentados no contexto da concorrência potencial que o Tribunal de Justiça já rejeitou nos n.os 184 a 211 do presente acórdão. Com efeito, uma vez que o Tribunal de Justiça já declarou que o Tribunal Geral não tinha cometido nenhum erro de direito que fira de ilegalidade o seu entendimento de que estes obstáculos não constituíam obstáculos intransponíveis a tal entrada, não há nenhuma razão para considerar, sem esses obstáculos, que estes seriam suscetíveis de pôr em causa o caráter incentivador das transferências de valor apuradas, constituindo a verdadeira causa da decisão da Niche e da Matrix de renunciarem a entrar no mercado do perindopril na União.

228    Na medida em que a Servier invoca a falta de intenção anticoncorrencial das partes nas transações Niche e Matrix, importa recordar que, como resulta do n.° 157 do presente acórdão, o facto de essas empresas terem agido sem ter a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido certos objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.° 167 e jurisprudência referida). Assim, o facto de uma estratégia comercial que consiste em as empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção negociarem tais acordos entre si para porem termo a um litígio relativo à validade de uma patente ser economicamente racional do ponto de vista dessas empresas de nenhuma forma demonstra que a prossecução dessa estratégia seja justificável do ponto de vista do direito da concorrência. O terceiro argumento da Servier é, portanto, improcedente.

229    Em face destas considerações, a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente e, com ela, esse terceiro fundamento na íntegra.

2.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à qualificação das transações Niche e Matrix de infrações distintas

230    Com o sexto fundamento do presente recurso, a Servier contesta os fundamentos pelos quais o Tribunal Geral recusou considerar que as transações Niche e Matrix constituíam uma infração única.

a)      Argumentos das partes

231    Segundo a Servier, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar, no n.° 1302 do acórdão recorrido, que as transações Niche e Matrix constituíam duas infrações distintas, por cada uma das quais a Comissão podia aplicar uma coima individual à Niche e à Matrix.

232    Em primeiro lugar, a Servier alega que um comportamento continuado, caracterizado por vários comportamentos com um objetivo comum, constitui uma infração única. Ora, as transações Niche e Matrix — assinadas no mesmo dia, no mesmo local, pelo mesmo representante da Servier — partilhavam o mesmo objetivo, como resulta do n.° 1296 do acórdão recorrido. Contrariamente à constatação feita pelo Tribunal Geral no n.° 1280 desse acórdão, essas duas transações conduziram a uma coordenação do comportamento da Niche e da Matrix face à Servier. Em razão da complementaridade dessas transações, o Tribunal Geral devia ter julgado procedente o fundamento através do qual a Servier sustentava que as referidas transações constituíam uma infração única.

233    Em segundo lugar, a Servier alega que o Tribunal Geral rejeitou a qualificação de infração única baseando‑se em critérios juridicamente errados. A este respeito, refere que, nos n.os 1296, 1297 e 1300 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral parece ter rejeitado a qualificação de infração única pelo facto de a Niche e a Matrix não partilharem da mesma intenção. No entanto, esse critério subjetivo é alheio à jurisprudência do Tribunal Geral que não exige que essa qualificação se baseie na intenção subjetiva das partes, mas sim em elementos objetivos (Acórdão de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão, T‑110/07, EU:T:2011:68, n.° 246). Tendo o Tribunal Geral considerado, com base nos elementos referidos no n.° 1296 do acórdão recorrido, que as transações Niche e Matrix prosseguiam o mesmo objetivo, devia ter inferido daí a existência de uma infração única, não obstante certas divergências de intenções entre estas empresas.

234    A Servier refere ainda que, no n.° 1298 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se referiu ao facto de não existir entre a Niche e a Matrix nenhuma «comunidade de interesses». Ora, este critério não é relevante nem necessário à luz da jurisprudência. Em todo o caso, esta apreciação do Tribunal Geral assenta numa desvirtuação dos factos, uma vez que essas empresas tinham celebrado um acordo verbal de partilha de lucros e um acordo de partilha de responsabilidades relativamente aos distribuidores, como resulta do n.° 1299 desse acórdão.

235    Em terceiro lugar, segundo a Servier, o Tribunal Geral não podia basear‑se nas diferenças menores entre as transações Niche e Matrix referidas no n.° 1298 do acórdão recorrido para pôr em causa a existência de um objetivo comum prosseguido por estas empresas.

236    Em quarto lugar, o Tribunal Geral não se podia ter baseado em divergências entre a Niche e a Matrix na execução dos seus acordos com a Servier, para rejeitar, no n.° 1299 do acórdão recorrido, a existência de uma infração única. Com efeito, essas divergências são posteriores à celebração desses acordos.

237    Em quinto lugar, o facto de a Matrix não ter estado envolvida desde o início das negociações entre a Niche e a Servier ou de ignorar a existência do acordo Biogaran não é suscetível de pôr em causa a existência de uma infração única.

238    A Comissão contesta estes argumentos.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

239    Com a sua argumentação, a Servier alega que o Tribunal Geral aplicou um critério jurídico errado para determinar se a Niche e a Matrix tinham cometido duas infrações distintas. Denuncia uma desvirtuação dos factos no enunciado do sexto fundamento e contesta, no essencial, a qualificação jurídica dos factos feita pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

240    Resulta de jurisprudência constante que uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE pode resultar não só de um ato isolado mas também de uma série de atos, ou mesmo de um comportamento continuado, mesmo quando um ou mais dos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também possam constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Assim, quando as várias ações se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado interno, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.° 41 e jurisprudência referida).

241    Uma empresa que tenha participado numa infração única e continuada através de comportamentos seus, que integrassem os conceitos de «acordo» ou de «prática concertada» com um objetivo anticoncorrencial na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE e que visassem contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode ser responsabilizada pelos comportamentos levados a cabo por outras empresas, no quadro da mesma infração, durante todo o período em que participou na referida infração (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.° 42 e jurisprudência referida).

242    A este respeito, há que lembrar que, para qualificar diferentes atuações de infração única e continuada, não há que verificar se têm um nexo de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a fazer face a uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, por interação, para a realização de todos os efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global dirigido a um objetivo único. Em contrapartida, o pressuposto relativo ao conceito de objetivo único implica que se deve verificar se não existem elementos que caracterizem os diferentes comportamentos que fazem parte da infração que sejam suscetíveis de indicar que os comportamentos materialmente adotados por outras empresas participantes não partilham do mesmo objetivo ou do mesmo efeito anticoncorrencial e, consequentemente, não se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objetivo idêntico que falseia o jogo da concorrência no mercado interno (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch/Comissão, C‑644/13 P, EU:C:2017:59, n.° 50 e jurisprudência referida).

243    Refira‑se, ainda, que, como, no essencial, observou a advogada‑geral nos n.os 239 e 240 das suas conclusões, a fim de qualificar comportamentos de infrações distintas ou de infração única, a Comissão tem que demonstrar objetivamente, com base nos elementos do processo e sob a fiscalização do juiz da União, que estão preenchidos os critérios estabelecidos para qualificar um comportamento de uma forma ou outra. Com efeito, como declarou o Tribunal Geral, no n.° 1294 do acórdão recorrido, se se demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao efetuar esta qualificação jurídica dos factos, a decisão de infração deve ser anulada e o montante da coima recalculado.

244    No caso, o Tribunal Geral recordou, no essencial, os elementos jurisprudenciais referidos no n.° 242 do presente acórdão, indicando, no n.° 1295 do acórdão recorrido, que, «para constatar a existência de uma infração única, cabe à Comissão demonstrar que os acordos em causa se inscrevem num plano de conjunto posto conscientemente em prática pelas empresas em causa com vista à realização de um mesmo objetivo anticoncorrencial e que está obrigada a examinar, a esse respeito, todos os elementos factuais suscetíveis de demonstrar ou pôr em causa o referido plano de conjunto». Há que observar que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito no que respeita ao critério jurídico aplicável para identificar uma infração única.

245    No que respeita à apreciação dos factos do processo, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1296 e 1297 do acórdão recorrido, que, embora seja verdade que a Servier prosseguia um único e mesmo objetivo na celebração das transações Niche e Matrix, isso não permitia demonstrar que, por seu turno, a Niche e a Matrix prosseguissem em conjunto um mesmo objetivo que demonstrasse um plano comum, nem, por maioria de razão, que partilhavam esse plano com a Servier. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral fez uma aplicação exata dos critérios enunciados nos n.os 240 a 242 do presente acórdão, segundo os quais a qualificação de infração única exige que cada um dos comportamentos anticoncorrenciais em causa se inscreva no quadro de um mesmo plano de conjunto, em função do seu objetivo anticoncorrencial idêntico.

246    Nos n.os 1298 e 1299 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a celebração das transações Niche e Matrix no mesmo dia, no mesmo local e pelo mesmo representante não era suficiente para demonstrar a existência de um plano comum entre a Niche e a Matrix. Referiu a existência de várias diferenças entre as estipulações desses acordos, rejeitou os indícios da existência de um acordo verbal entre a Niche e a Matrix sobre a execução dos referidos acordos e deduziu daí que estas empresas não tinham um «plano comum» que permitisse qualificar de infração única o seu comportamento.

247    Quanto às circunstâncias factuais em torno da celebração das transações Niche e Matrix, o Tribunal Geral considerou, no n.° 1300 do acórdão recorrido, que demonstravam que a Matrix tinha mais tentado aproveitar uma oportunidade oferecida pela Servier do que atuado em concertação com a Niche no âmbito de um plano comum destinado a pôr termo ao seu projeto relativo ao perindopril. A participação da Matrix nas negociações que conduziram à celebração das transações Niche e Matrix, de que só tinha sido informada tardiamente, foi limitada, segundo os factos apurados pelo Tribunal Geral, à negociação da transferência de valor da Servier a seu favor. Por outro lado, o Tribunal Geral referiu, no n.° 1301 do acórdão recorrido, que o acordo Biogaran tinha sido celebrado sem o conhecimento da Matrix.

248    No entanto, a Servier alega que o Tribunal Geral atribuiu demasiada importância à intenção das partes, quando a jurisprudência exige uma avaliação objetiva da ligação dos comportamentos anticoncorrenciais a um plano de conjunto.

249    Contudo, como refere a advogada‑geral no n.° 248 das suas conclusões, para se poder declarar uma infração única, há que demonstrar que os comportamentos de empresas fazem parte de um plano de conjunto em razão da sua contribuição para a realização de um objetivo económico comum (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Toshiba Samsung Storage Technology e Toshiba Samsung Storage Technology Korea/Comissão, C‑700/19 P, EU:C:2022:484, n.° 107 e jurisprudência referida). A prova desse objetivo comum pode, portanto, ser feita, nomeadamente, com base em elementos relativos à intenção das partes, uma vez que o conceito de plano de conjunto implica que as partes tinham a intenção de colaborar para executar esse plano e as suas intenções em relação a essa colaboração, desde que sejam demonstradas com base em elementos objetivos e fiáveis, são, portanto, relevantes para determinar se o seu comportamento se integra numa infração única.

250    Nestas condições, a Servier não pode alegar que a qualificação jurídica dos factos a que o Tribunal Geral procedeu assenta num critério jurídico errado. Também não demonstrou uma desvirtuação dos factos pelo Tribunal Geral.

251    Consequentemente, há que julgar improcedente o sexto fundamento.

D.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à transação Teva

252    Com o seu terceiro fundamento, a Servier contesta as apreciações feitas pelo Tribunal Geral sobre a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE à transação Teva. Este fundamento de recurso inclui duas partes.

1.      Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

a)      Argumentos das partes

253    Com a primeira parte do seu quarto fundamento, a Servier alega que a análise da concorrência potencial feita pelo Tribunal Geral está ferida de vários erros de direito. Com base na argumentação desenvolvida no âmbito do segundo fundamento, a Servier acusa, de forma geral, o Tribunal Geral de lhe ter imposto, nos n.os 589, 591, 592, 600, 601 e 603 do acórdão recorrido, o ónus de demonstrar que a entrada da Teva no mercado se confrontava com obstáculos intransponíveis para demonstrar a inexistência de concorrência potencial.

254    Com uma primeira alegação, a Servier contesta o entendimento, nos n.os 589, 591, 592 e 596 do acórdão recorrido, de que as suas patentes, bem como a perceção que delas podiam ter as partes, e mais especificamente o risco de ser concedida uma injunção provisória com base nessas patentes, não constituíam obstáculos intransponíveis a tal entrada.

255    Com uma segunda alegação, a Servier critica o Tribunal Geral por ter declarado, no n.° 599 do acórdão recorrido, que os atrasos nos procedimentos de autorização de introdução no mercado não são suficientes para excluir a qualidade de concorrente potencial de um fabricante de medicamentos genéricos. O Tribunal Geral não analisou o efeito desses atrasos, apesar de a Servier ter demonstrado que tinham posto em perigo o projeto da Teva. O Tribunal Geral rejeitou ainda a importância, para os fabricantes de medicamentos genéricos, de estarem entre os primeiros a entrar no mercado em causa, apesar de a Comissão ter reconhecido expressamente essa importância no considerando 1126 da decisão controvertida.

256    Com uma terceira alegação, a Servier invoca várias desvirtuações.

257    Entende que, por um lado, nos n.os 586 e 609 a 612 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou as provas apresentadas pela Servier que demonstravam que a Teva não tinha existências de perindopril que beneficiassem de uma autorização de introdução no mercado.

258    Por outro lado, a Servier alega que o Tribunal Geral, no n.° 594 do acórdão recorrido, desvirtuou a petição em primeira instância ao afirmar que a Servier não tinha impugnado a declaração da Teva de que estava pronta a assumir o risco de lhe ser movida uma ação por contrafação por causa da sua entrada no mercado do perindopril.

259    Com uma quarta alegação, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter recusado, no n.° 610 do acórdão recorrido, ter em conta provas relativas às deficiências do perindopril genérico produzido a partir do princípio ativo fornecido pela Hetero Drugs Ltd (a seguir «Hetero») pelo facto de serem posteriores à celebração da transação Teva. Ora, uma vez que essas provas eram anteriores ao inquérito da Comissão, tinham um forte valor probatório. Ao considerar, no n.° 611 desse acórdão, que a mensagem de correio eletrónico enviada pela Teva à Hetero em 15 de outubro de 2007 visava «claramente executar» a transação Teva, o Tribunal Geral desvirtuou essa mensagem de correio eletrónico.

260    A Comissão contesta estes argumentos.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

261    Os argumentos preliminares e a primeira alegação, relativos ao ónus da prova da existência de obstáculos intransponíveis à entrada no mercado, assentam numa conceção errada dos critérios jurídicos aplicáveis à apreciação da concorrência potencial, como considerado nos n.os 81, 107 a 111, 123, 124 e 125 do presente acórdão. Estes argumentos e essa alegação devem, portanto, ser rejeitados pelos mesmos motivos expostos nesses números.

262    Do mesmo modo, uma vez que, mais especificamente, esta alegação é relativa ao risco de ser concedida uma injunção provisória com base nessas patentes, há que recordar, como se considerou no n.° 112 do presente acórdão, que a sua concessão, e por maioria de razão o mero risco dessa concessão, não pode permitir, enquanto tal, excluir a qualidade de concorrente potencial de um fabricante de medicamentos genéricos.

263    Quanto à segunda alegação, importa recordar que, de acordo com o que se considerou no n.° 120 do presente acórdão, um atraso nos procedimentos de autorização de introdução no mercado não basta, por si só, para pôr em causa a qualidade de concorrente potencial. Improcede, portanto, esta segunda alegação pelos mesmos motivos enunciados no referido n.° 120. Quanto à referência feita, no considerando 1126 da decisão controvertida, à vantagem dita do «primeiro operador» de que beneficiaria o primeiro fabricante de medicamentos genéricos a lançar o seu produto, de forma nenhuma resulta dessa referência que só um fabricante que esteja em condições de lançar o seu produto o primeiro pode ser considerado um concorrente potencial do fabricante de medicamentos originais. Quanto ao restante, basta observar que a Servier impugna apreciações factuais do Tribunal Geral relativas a esse atraso e que a sua argumentação é, portanto, inadmissível.

264    Quanto à alegada desvirtuação da prova de não haver existências de perindopril da Teva abrangidas por uma autorização de introdução no mercado, importa observar, como faz a Comissão, que, uma vez que a Servier não identificou com precisão as provas cuja desvirtuação alega, a Comissão não está em condições de responder a esta alegação e o Tribunal de Justiça não pode proceder à sua fiscalização, pelo que deve ser julgada inadmissível.

265    Quanto à desvirtuação da petição da Servier em primeira instância referida no n.° 594 do acórdão recorrido, na parte em que o Tribunal Geral refere que a Servier não impugnou no plano factual a afirmação que resulta de uma declaração da Teva de que estava pronta a lançar o seu perindopril apesar do risco de ações por contrafação, há que observar que o Tribunal Geral respondeu à argumentação da Servier quanto ao mérito, de qualquer forma, ao lembrar, no n.° 591 desse acórdão, que os riscos para a Teva de lhe serem movidas ações por contrafação e injunções provisórias no seguimento da sua entrada no mercado do perindopril não permitiam «excluir a existência de possibilidades reais e concretas de a Teva ultrapassar os obstáculos ligados às patentes em causa». Resulta ainda desse n.° 594 do acórdão recorrido que a Teva estava consciente dos riscos de contrafação e da concessão de injunções provisórias logo em fevereiro de 2006, ao passo que, como resulta do n.° 598 desse acórdão, mesmo assim continuou as suas diligências preparatórias.

266    Por outro lado, como recordado no n.° 109 do presente acórdão, a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser considerada um obstáculo intransponível à entrada no mercado nem impede que se qualifique de concorrente potencial do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme determinação e a capacidade própria para entrar no mercado e que, com as suas diligências, se mostra pronto a contestar a validade dessa patente e a assumir o risco de, no momento da sua entrada nesse mercado, ser confrontado com uma ação por contrafação intentada pelo titular dessa patente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 46].

267    Assim, resulta dos elementos recordados no n.° 265 do presente acórdão que, sem necessidade de se basear no facto de a Servier não ter impugnado a intenção da Teva de entrar no mercado de risco, o Tribunal Geral examinou os argumentos da Servier quanto ao mérito e fundamentou suficientemente, à luz da jurisprudência referida no n.° 266 do presente acórdão, a sua conclusão de que a existência das patentes da Servier não constituía um obstáculo intransponível à entrada potencial da Teva no mercado.

268    Daqui resulta que a alegação de desvirtuação dirigida contra o n.° 594 do acórdão recorrido é inoperante, uma vez que visa um fundamento do acórdão recorrido exposto por acréscimo.

269    Com a sua quarta alegação, a Servier contesta a apreciação da mensagem de correio eletrónico da Hetero de 15 de outubro de 2007 a coberto de invocar a sua desvirtuação. Ora, de acordo com a jurisprudência lembrada no n.° 58 do presente acórdão, uma alegação dessa natureza não é da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância.

270    Em face destes elementos, a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

2.      Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

271    Com a segunda parte do seu quarto fundamento, a Servier critica o Tribunal Geral por ter, nos n.os 698, 700 e 704 do acórdão recorrido, confirmado a qualificação da transação Teva como restrição da concorrência por objetivo. A este respeito, a Servier, reiterando a argumentação exposta no âmbito do primeiro fundamento, alega que o facto de a transação Teva conter cláusulas restritivas da concorrência e um pagamento que incentivava a Teva a sujeitar‑se a tais cláusulas não é suficiente para qualificar essa transação de restrição da concorrência por objetivo, nomeadamente quando essa transação favorecia igualmente uma entrada antecipada da Teva no mercado e produzia, assim, efeitos pró‑concorrenciais.

272    Antes de abordar as alegações específicas apresentadas pela Servier neste contexto, importa começar por recordar que, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 73, 76 e 77 do presente acórdão, os eventuais efeitos pró‑concorrenciais de um acordo são irrelevantes no contexto do exame do seu objetivo anticoncorrencial, incluindo para efeitos da verificação da sua eventual nocividade. Há que sublinhar também que, como resulta da jurisprudência recordada, nomeadamente, no n.° 83 do presente acórdão, um adiamento da entrada de medicamentos genéricos no mercado em contrapartida de transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante desses medicamentos genéricos deve ser considerado constitutivo de uma restrição da concorrência por objetivo se essas transferências de valor se explicarem unicamente pelo interesse comercial desses fabricantes de medicamentos em não concorrerem pelo mérito.

a)      Quanto aos objetivos da transação Teva

1)      Argumentos das partes

273    A Servier alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter em consideração as finalidades objetivamente prosseguidas pela transação Teva, pelo simples facto de essa transação conter cláusulas restritivas da concorrência. Segundo a Servier, o Tribunal Geral ignorou o facto de o fornecimento da Teva em perindopril ser o objetivo essencial dessa transação. A transação nos litígios relativos às patentes da Servier constituiu apenas um objetivo «secundário», cujo alcance era limitado, uma vez que não abrangia o processo pendente no IEP relativo à validade da patente 947. Segundo a Servier, estes objetivos não são, em si mesmos, nocivos para a concorrência.

274    Além disso, a analogia feita pelo Tribunal Geral no n.° 704 do acórdão recorrido entre a transação Teva e as circunstâncias do processo na origem do Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:643) não é fundada, uma vez que essas circunstâncias não se referiam à entrada de um novo concorrente no mercado, mas sim à saída de empresas concorrentes já presentes nesse mercado.

275    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

276    Com esta alegação Servier contesta a existência de uma restrição da concorrência por objetivo baseando‑se na alegada legitimidade de alguns dos objetivos enunciados pela transação Teva e da intenção das partes a este respeito. Segundo a Servier, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter esses objetivos e essa intenção em conta na qualificação da transação Teva como restrição da concorrência por objetivo.

277    Contudo, há que lembrar que, para qualificar um comportamento à luz do conceito de restrição da concorrência pelo objetivo, há que determinar as finalidades objetivas que esse comportamento visa atingir em relação à concorrência. Em contrapartida, como já se considerou no n.° 87 do presente acórdão, o facto de as empresas terem agido sem ter a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Só é relevante a apreciação do grau de nocividade económica dessa prática no bom funcionamento da concorrência no mercado em causa. Esta apreciação deve assentar em considerações objetivas, se necessário na sequência de uma análise detalhada dessa prática, bem como dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 131].

278    Além disso, visto que a Servier, ao sublinhar que a transação Teva tinha por objetivo «essencial» o fornecimento da Teva em perindopril e por objetivo «secundário» a transação em litígios, tenta invocar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às restrições acessórias, há que considerar, pelos motivos expostos nos n.os 148 a 151 do presente acórdão, que esta jurisprudência não é aplicável a uma situação como a da transação Teva. Com efeito, primeiro, a cláusula da transação Teva que prevê o fornecimento da Teva em perindopril não é neutra em relação à concorrência devido à existência de pagamentos compensatórios constitutivos de transferências de valor e, segundo, tendo em conta a existência desses pagamentos, não se pode considerar que as restrições da concorrência decorrentes das cláusulas de não contestação e de não comercialização são objetivamente necessárias para essa cláusula de fornecimento ou para a transação em litígios, e, por maioria de razão, quando as cláusulas de não contestação e de não comercialização são lidas à luz do caráter exclusivo da cláusula de fornecimento.

279    Por conseguinte, sem que seja necessário decidir sobre a relevância do Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:643), há que julgar improcedente a alegação da Servier.

b)      Quanto à ambivalência dos efeitos da transação Teva

1)      Argumentos das partes

280    A Servier alega que, à data da celebração da transação Teva, os efeitos potenciais dessa transação, considerados no seu conjunto e na medida em que fossem identificáveis nessa data, eram ambivalentes, pelo que está excluída a sua qualificação de restrição da concorrência por objetivo, como resulta da sua argumentação no âmbito do primeiro fundamento. Entende que o Tribunal Geral desvirtuou os factos relativos ao contexto dessa transação, nomeadamente nos n.os 644 e 667 do acórdão recorrido, e ignorou os seus efeitos pró‑concorrenciais.

281    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

282    A Servier não pode invocar efeitos positivos ou, pelo menos, ambivalentes na concorrência que a transação Teva fosse suscetível de gerar, uma vez que, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 73, 76 e 77 do presente acórdão, o exame de tais efeitos, reais ou potenciais, negativos ou positivos, não é necessário para determinar se essa transação pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo. Assim, independentemente do facto de não ser certo que viessem a produzir‑se os alegados efeitos positivos resultantes de uma entrada antecipada da Teva no mercado, uma vez que a Servier dispunha do direito contratual de bloquear tal entrada mediante um pagamento compensatório suplementar, esta argumentação não pode, em todo o caso, ser acolhida. Improcede, portanto, esta alegação.

c)      Quanto à nocividade das cláusulas da transação Teva.

1)      Argumentos das partes

283    No que respeita à cláusula de não contestação da transação Teva, a Servier reitera a argumentação desenvolvida no âmbito do seu primeiro fundamento, segundo a qual este tipo de cláusula usual não é, em si, nocivo para a concorrência. Nos n.os 648 e 649 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ignorou a jurisprudência resultante do Acórdão de 25 de fevereiro de 1986, Windsurfing International/Comissão (193/83, EU:C:1986:75) e cometeu um erro ao considerar que o facto de esta cláusula não incluir o processo no IEP era irrelevante.

284    No que respeita à cláusula de não comercialização da transação Teva, o Tribunal Geral, nos n.os 663 e 664 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral abstraiu do facto de o âmbito de aplicação dessa cláusula estar limitado ao perindopril que infringisse as patentes da Servier, deixando a Teva livre para desenvolver uma forma não contrafeita desse medicamento. O Tribunal Geral rejeitou também sem razão, no n.° 666 desse acórdão, provas relativas ao desenvolvimento pela Teva de uma versão não contrafeita do referido medicamento. Além disso, o Tribunal Geral cometeu o erro de não ter em conta o facto de o fornecimento da Teva em perindopril genérico atenuar, ou até suprimir, os eventuais efeitos restritivos dessa cláusula. Ora, o Tribunal Geral admitiu, no entanto, no n.° 954 do referido acórdão, que o caráter restritivo da concorrência da transação celebrada com a Krka podia ser compensado pelos efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença celebrado com esta última empresa.

285    Quanto à cláusula de fornecimento exclusivo, a Servier apresenta três alegações.

286    Antes de mais, entende que o Tribunal Geral desvirtuou essa cláusula. Contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou no n.° 662 do acórdão recorrido, essa cláusula não proibiu a Teva de se abastecer junto de outros fornecedores. A Teva continuou, portanto, livre de se abastecer junto de terceiros que produzissem um perindopril diferente do composto pela forma cristalina alfa da erbumina protegida pela patente 947. O Tribunal Geral deduziu erradamente, no n.° 663 desse acórdão, que a transação Teva ia além das patentes da Servier.

287    Em seguida, a Servier alega que o Tribunal Geral, no n.° 672 do acórdão recorrido, afirmou erradamente e sem fundamentação que a cláusula de fornecimento exclusivo era inabitual. Ora, este tipo de cláusula é lícito e frequentemente utilizado, nomeadamente pela Teva.

288    Por último, a Servier alega que a cláusula de fornecimento exclusivo devia ter sido apreciada no seu contexto, tendo em conta a concorrência tal como teria funcionado sem essa cláusula. Na medida em que a transação Teva permitiu à Teva entrar no mercado do perindopril, está excluída a qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

289    A Comissão contesta tanto a admissibilidade como o mérito desta argumentação.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

290    Com esta argumentação, a Servier contesta a apreciação feita pelo Tribunal Geral sobre a qualificação da transação Teva como restrição da concorrência por objetivo alegando, em substância, que nem a cláusula de não contestação dessa transação nem a cláusula de não comercialização ou a sua cláusula de fornecimento exclusivo podiam causar efeitos anticoncorrenciais.

291    Ora, tal como lembrado no n.° 88 do presente acórdão, para determinar se uma prática colusória pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo, há que analisar o seu conteúdo, a sua génese, bem como o seu contexto económico e jurídico, em especial as características específicas do mercado em que se produzirão concretamente os seus efeitos. O facto de os termos de um acordo destinado a aplicar esta prática não revelarem um objetivo anticoncorrencial não é, por si só, determinante

292    De resto, a qualificação de restrição da concorrência por objetivo não depende nem da forma dos contratos ou de outros instrumentos jurídicos destinados a levar a cabo essa prática colusória nem da perceção subjetiva que as partes podem ter do desfecho do litígio que as opõe quanto à validade de uma patente. Só é relevante a apreciação do grau de nocividade económica dessa prática no bom funcionamento da concorrência no mercado em causa. Esta apreciação deve assentar em considerações objetivas, se necessário na sequência de uma análise detalhada dessa prática, bem como dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.° 131].

293    Assim, as transações em que um fabricante de medicamentos genéricos candidato à entrada num mercado reconhece, pelo menos temporariamente, a validade de uma patente detida por um fabricante de medicamentos originais e se obriga, por isso, a não a contestar nem a entrar nesse mercado são suscetíveis de produzir efeitos restritivos da concorrência, uma vez que a contestação da validade e do alcance de uma patente faz parte do jogo normal da concorrência nos setores em que existem direitos de exclusividade sobre tecnologias [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 81].

294    Assim, como o Tribunal Geral sublinhou, em substância, no n.° 305 do acórdão recorrido, para determinar se um acordo pode ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo, não se tem que analisar cada uma das suas cláusulas de forma separada, mas sim avaliar se esse acordo, considerado como um todo, apresenta um grau de nocividade económica para o bom funcionamento da concorrência no mercado em causa que justifique essa qualificação. Devido às ligações estreitas entre as cláusulas de não contestação, de não comercialização e de fornecimento exclusivo da transação Teva, era, portanto, indispensável examinar estas cláusulas como um todo.

295    Além disso, a argumentação da Servier não tem em conta a jurisprudência recordada no n.° 83 do presente acórdão, da qual resulta que o critério que permite verificar se uma transação como a transação Teva constitui uma restrição da concorrência por objetivo consiste em verificar se as transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos constituem a contrapartida da sua renúncia a entrar no mercado em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 87 a 94].

296    No caso, nos n.os 644 e 645 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a relevância dos efeitos potencialmente neutros ou pró‑concorrenciais da transação Teva, bem como a aplicabilidade da jurisprudência relativa às restrições acessórias, sem cometer erros de direito suscetíveis de pôr em causa a conclusão a que tinha chegado nesses números, como resulta dos fundamentos enunciados nos n.os 76, 77, 148 a 151, 272 e 278 do presente acórdão.

297    No que respeita às restrições impostas à Teva quanto ao seu comportamento no mercado, o Tribunal Geral confirmou, no essencial, as considerações feitas na decisão controvertida. Pelos motivos expostos nos n.os 647 a 678 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou, primeiro, que a cláusula de não contestação proibia a Teva de demonstrar que o seu perindopril não violava as patentes da Servier e de contestar a sua validade no Reino Unido. Segundo, constatou que a cláusula de não comercialização impunha à Teva que se abstivesse no Reino Unido de qualquer produção ou comercialização do seu próprio perindopril que a Servier considerasse contrafeito ou de qualquer versão que a Servier pudesse considerar contrafeita. Em terceiro lugar, constatou que a cláusula de fornecimento exclusivo, que estava estreitamente ligada à anterior, deixava a Teva perante uma alternativa que consistia em distribuir o perindopril da Servier composto pela forma cristalina alfa da erbumina ou, no caso de não fornecimento pela Servier, em receber uma indemnização fixa de 500 000 GBP por mês. O efeito conjunto desta alternativa e da conjugação dessas cláusulas era, na prática, permitir à Servier impedir a Teva de comercializar no Reino Unido, sem o seu acordo, uma versão genérica do perindopril composto pela forma cristalina alfa da erbumina.

298    Ora, a Servier acusa o Tribunal Geral de desvirtuação da cláusula de fornecimento exclusivo, bem como da cláusula de não comercialização. Contrariamente ao que resulta dos n.os 662 e 663 do acórdão recorrido, essas cláusulas, primeiro, só cobriram a versão do perindopril composta pela forma cristalina alfa da erbumina, pelo que a Teva continuou livre para comprar outras formas de perindopril a terceiros e para as comercializar e, segundo, o alcance dessas cláusulas não excedeu o âmbito de aplicação das patentes da Servier.

299    A este respeito, no que respeita ao n.° 663 do acórdão recorrido, resulta do n.° 6 desse acórdão que a patente 947 diz especificamente respeito à versão do perindopril composta pela forma cristalina alfa da erbumina e aos seus processos de fabrico, sem que o referido acórdão contenha outras explicações que ponham isso em dúvida. Ora, resulta dos termos da transação Teva que a cláusula de não comercialização e a cláusula de fornecimento exclusivo deste se aplicavam igualmente apenas ao perindopril composto pela forma cristalina alfa da erbumina, o qual estava, portanto, necessariamente abrangido pelo âmbito de aplicação dessa patente. Assim, a constatação efetuada no n.° 663 do acórdão recorrido, segundo a qual estas cláusulas se estendiam além do âmbito de aplicação das patentes da Servier visadas pela transação Teva, assenta numa desvirtuação dessa transação.

300    Todavia, o Tribunal Geral teve correta e inequivocamente em conta a limitação das referidas cláusulas ao perindopril composto pela forma cristalina alfa da erbumina correta e inequivocamente no âmbito da sua análise do objeto das mesmas cláusulas do ponto de vista concorrencial, nos n.os 665 e 666 do acórdão recorrido. Resulta, portanto, de uma leitura de conjunto dos n.os 662, 665 e 666 desse acórdão que o Tribunal Geral não cometeu nenhuma desvirtuação a esse respeito. Por outro lado, como refere a advogada‑geral no n.° 175 das suas conclusões, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Servier por irrelevante pelo facto de a forma do perindopril que a Teva pretendia comercializar, à data da assinatura da transação Teva, ser precisamente a que era objeto das cláusulas de não comercialização e de fornecimento exclusivo que constavam dessa transação. Nestas condições, o facto de o âmbito de aplicação dessas cláusulas estar limitado a esta forma do perindopril não põe em causa o seu caráter restritivo em relação à concorrência, tal como analisado pelo Tribunal Geral. Assim, a desvirtuação dessas cláusulas constatada no n.° 299 do presente acórdão não desmente a conclusão a que chegou o Tribunal Geral quanto ao seu caráter anticoncorrencial e incide, em definitivo, sobre um fundamento do acórdão recorrido apresentado por acréscimo. De igual modo, o argumento da Servier relativo ao caráter alegadamente usual das referidas cláusulas não colhe, uma vez que não põe minimamente em causa este caráter anticoncorrencial.

301    Quanto ao restante, há que rejeitar os outros argumentos da Servier relativos à alegada inexistência de nocividade das cláusulas de não contestação e de não comercialização, uma vez que, como alega a Comissão, visam, na realidade, contestar as apreciações feitas pelo Tribunal Geral sobre as provas que lhe foram apresentadas e sobre os elementos factuais relevantes, para efeitos da interpretação da transação Teva.

d)      Quanto ao pagamento compensatório

1)      Argumentos das partes

302    A título preliminar, a Servier reitera que, numa transação em matéria de patentes, a estipulação de um pagamento compensatório não é anticoncorrencial em si mesma. O mesmo acontece, por maioria de razão, quando esse tipo de pagamento está previsto no âmbito de um acordo de fornecimento como a transação Teva. A Servier remete, a este respeito, para a sua argumentação desenvolvida no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, resumida nos n.os 139 e 140 do presente acórdão.

303    No que respeita à cláusula de indemnização fixa estipulada na transação Teva, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito nos n.os 660 e 699 do acórdão recorrido ao considerar que essa indemnização fazia parte do pagamento compensatório com base no qual essa transação tinha sido qualificada de restrição da concorrência por objetivo. O Tribunal Geral rejeitou erradamente, no n.° 685 do acórdão recorrido, o caráter usual deste tipo de cláusula. Ainda que a referida indemnização visasse compensar a Teva em contrapartida da sua renúncia a entrar no mercado do perindopril, isso não seria suficiente para a qualificar de pagamento compensatório. Com efeito, essa indemnização fixa não está ligada à transação em litígios em matéria de patentes, mas sim ao incumprimento da obrigação de fornecimento exclusivo estipulada na transação Teva. Por natureza, o pagamento dessa indemnização fixa era incerto. Por conseguinte, essa indemnização não devia ter sido tida em conta na comparação com os custos inerentes à transação em litígios em matéria de patentes.

304    Quanto ao pagamento da quantia de 5 milhões de GBP à Teva, a Servier remete para a sua argumentação no âmbito do primeiro fundamento, para contestar a relevância desse pagamento para efeitos da qualificação de restrição da concorrência por objetivo. Segundo a Servier, esse pagamento visava cobrir os custos suportados pela Teva devido à rescisão dos seus acordos com a Hetero e com a Alembic Pharmaceuticals Ltd, para o fabrico de uma versão genérica do perindopril, à destruição das existências e às despesas judiciais. Ora, estes custos decorrem diretamente da transação Teva.

305    A Servier acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado os seus argumentos relativos à causa do pagamento do montante de 5 milhões de GBP, ao afirmar, no n.° 697 do acórdão recorrido, que tinha alegado que este pagamento visava «garantir» a cláusula de fornecimento exclusivo estipulada na transação Teva, quando tinha alegado que essa transação tinha por objetivo, do seu ponto de vista, assegurar os serviços da Teva como distribuidor de medicamentos genéricos no Reino Unido. Ora, o Tribunal Geral não verificou este elemento.

306    A Comissão contesta tanto a admissibilidade como o mérito desta argumentação.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

307    O argumento de que os pagamentos da Servier a favor da Teva não devem ser equiparados a um pagamento compensatório pelo facto de a transação Teva não ser uma transação, mas sim um acordo de fornecimento exclusivo, não colhe. Com efeito, isto em nada altera o facto de, como resulta dos n.os 290 a 300 do presente acórdão, essa transação Teva conter restrições da concorrência por objetivo e, por conseguinte, como lembrado, nomeadamente, no n.° 272 do presente acórdão, o facto de a Servier pagar quantias em dinheiro em contrapartida da aceitação dessas restrições pela Teva é suscetível de constituir tal pagamento.

308    Por outro lado, para ser abrangida pela proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma prática colusória tem que preencher diversos pressupostos que não dependem da natureza jurídica dessa prática ou dos instrumentos jurídicos destinados a pô‑la em prática, mas sim das suas relações com o jogo da concorrência, como referido no n.° 292 do presente acórdão. Uma vez que a aplicação desta disposição assenta na avaliação das repercussões económicas da prática em causa, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que institui qualquer juízo antecipado em relação a uma categoria de acordos determinada pela sua natureza jurídica, devendo qualquer acordo ser apreciado à luz do seu conteúdo específico e do seu contexto económico, nomeadamente à luz da situação do mercado em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 358, e de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, EU:C:1987:490, n.° 40). De resto, a efetividade do direito da concorrência da União ficaria gravemente comprometida se as partes em acordos anticoncorrenciais pudessem subtrair‑se à aplicação do artigo 101.° TFUE dando simplesmente uma determinada forma a esses acordos.

309    Os argumentos da Servier de que nem o pagamento inicial de 5 milhões de GBP nem a indemnização fixa de 5,5 milhões de GBP devem ser considerados parte de um pagamento compensatório devem igualmente ser rejeitados. Com efeito, como resulta dos n.os 161 a 167 do presente acórdão, há que verificar se o saldo líquido positivo dessas transferências se pode justificar integralmente pela necessidade de compensar custos ou inconvenientes associados a esse litígio e, se não for esse o caso, verificar se esse saldo positivo líquido dessas transferências de valor era suficiente para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos a renunciar à entrada no mercado em causa.

310    Ora, resulta de uma leitura dos n.os 687 a 699 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral analisou de forma circunstanciada a questão de saber se os dois pagamentos em causa eram necessários, de acordo com as condições que decorrem da jurisprudência recordada nos n.os 161 a 167 do presente acórdão, e a questão de saber se esses dois pagamentos, tendo em conta, nomeadamente, o seu valor, tinham incentivado a Teva a aceitar as restrições da concorrência estipuladas na transação Teva. Uma vez que a Servier não conseguiu apresentar elementos capazes de pôr em causa as constatações efetuadas pela decisão controvertida, o Tribunal Geral, no termo das considerações enunciadas nos n.os 687 a 699 do acórdão recorrido, declarou sem cometer nenhum erro de direito que a quantia de 10,5 milhões de GBP que a Servier pagou à Teva a tinha incentivado a renunciar a entrar no mercado.

311    A argumentação da Servier relativa ao pagamento compensatório deve, pois, ser julgada improcedente, bem como o quarto fundamento na íntegra.

E.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à transação Lupin

312    Com o seu terceiro fundamento, a Servier contesta as apreciações feitas pelo Tribunal Geral sobre a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE à transação Lupin. Este fundamento divide‑se em três partes.

1.      Quanto à primeira parte, relativa à concorrência potencial

a)      Argumentos das partes

313    Com a primeira parte do seu quinto fundamento, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito na aplicação do critério jurídico que permite qualificar a Lupin de concorrente potencial e remete, a este respeito, para a sua argumentação desenvolvida no âmbito do seu segundo fundamento.

314    Em primeiro lugar, a Servier alega que o acórdão recorrido enferma de várias desvirtuações.

315    Quanto aos factos, o Tribunal Geral, por um lado, afirmou, nos n.os 729 e 730 do acórdão recorrido, que, após a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006, as provas do processo não mencionam nem sequer sugerem que a Lupin tivesse previsto renunciar a contestar a validade da patente 947. Ora, esta afirmação é inexata e o Tribunal Geral desvirtuou os factos a este respeito. A Lupin interpôs recurso dessa decisão e apresentou um pedido de anulação da patente 947 num tribunal no Reino Unido que foi apensado aos da Apotex e da Krka, mas não estava confiante nas suas possibilidades de sucesso, contrariamente ao que resulta do considerando 1016 da decisão controvertida.

316    Por outro lado, o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao considerar, nos n.os 748 e 749 do acórdão recorrido, que a Lupin estava, à data da celebração da transação Lupin, envolvida em negociações avançadas com parceiros comerciais para a distribuição de uma versão genérica do perindopril. Todavia, a Servier considera que estas negociações eram limitadas e nunca foram bem-sucedidas.

317    Entende também que o Tribunal Geral desvirtuou a petição em primeira instância ao afirmar, no n.° 736 do acórdão recorrido, que a Servier não contestava, no que respeita à Lupin, os critérios de apreciação aplicados pela Comissão para demonstrar a existência de uma concorrência potencial.

318    Em segundo lugar, a Servier acusa o Tribunal Geral de não ter tido suficientemente em consideração a situação de patente e comercial com que a Lupin se confrontava.

319    No que respeita à situação de patente, no n.° 728 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou erradamente que a perceção que a Lupin tinha dessa situação só era relevante para decidir da intenção desta empresa de entrar no mercado.

320    Quanto às dificuldades comerciais, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.° 749 do acórdão recorrido, que a Lupin tinha possibilidades reais e concretas de comercializar a sua versão genérica do perindopril em toda a União, quando esta apenas estava presente no Reino Unido. A este respeito, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado a sua argumentação ao afirmar que se tinha limitado a invocar obstáculos comerciais intransponíveis, quando tinha afirmado que a Lupin, por não dispor de parceiros comerciais, não podia entrar a curto prazo no mercado, o que foi posteriormente confirmado pelos factos.

321    A Comissão contesta estes argumentos.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

322    Não se pode deixar de observar que, a pretexto de invocar a inexatidão material de certos factos à luz dos autos ou a desvirtuação de provas, a Servier impugna, na realidade, a apreciação desses factos e dessas provas pelo Tribunal Geral nos n.os 730, 748 e 749 do acórdão recorrido, o que não é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 58 do presente acórdão.

323    Quanto à alegação de que o Tribunal Geral desvirtuou a petição da Servier em primeira instância, há que observar que resulta dos termos claros e precisos do n.° 108 dessa petição que a Servier contestava os critérios jurídicos aplicados pela Comissão. Com efeito, a Servier sustentava que esta instituição tinha feito uma aplicação inexata da jurisprudência relativa à apreciação da concorrência potencial. Ao considerar na decisão controvertida que a inexistência de obstáculos intransponíveis para os fabricantes de medicamentos genéricos equivalia a admitir a existência de possibilidades reais e concretas de entrarem no mercado, a Comissão esvaziou os termos «reais e concretos» da sua substância e «adotou um critério jurídico contrário à jurisprudência».

324    Todavia, abstraindo dessa desvirtuação, há que observar que o Tribunal Geral não se limitou a examinar apenas a questão da existência de eventuais obstáculos intransponíveis a uma entrada da Lupin no mercado, tendo também examinado em pormenor, mais especificamente nos n.os 718 a 724 do acórdão recorrido, as diligências preparatórias levadas a cabo por essa empresa com vista a uma entrada no mercado e que permitem concluir, de acordo com o se considerou nos n.os 79, 80 e 104 a 111 do presente acórdão, que a Lupin tinha a intenção e a capacidade e, por conseguinte, possibilidades reais e concretas, de efetuar tal entrada. Além disso, de acordo com o que foi declarado nos n.os 118, 120 e 121 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, pelos motivos expostos nos n.os 736 a 743 do acórdão recorrido, que os argumentos da Servier relativos às dificuldades com que se deparou a Lupin no âmbito dos procedimentos de autorização de introdução no mercado não eram suscetíveis de pôr em causa a sua qualidade de concorrente potencial. Essa desvirtuação constatada não tem, portanto, incidência na validade do dispositivo do acórdão recorrido.

325    Por outro lado, há que observar que os argumentos da Servier relativos à apreciação da situação de patente em relação à Lupin ignoram o facto de o Tribunal Geral ter tido efetivamente em conta os obstáculos de patentes e assentam, nesta medida, numa leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, conforme referido no n.° 108 do presente acórdão, o Tribunal Geral não considerou, nomeadamente no n.° 728 do acórdão recorrido, que a perceção por um fabricante de medicamentos genéricos da força de uma patente era totalmente irrelevante para aferir da existência de uma relação de concorrência potencial entre a Servier, por um lado, e a Lupin, por outro, e que essa perceção só podia ser relevante para determinar se a Niche e a Matrix tinham a intenção de entrar no mercado e não para apreciar a sua capacidade de efetuar tal entrada. Ora, como se considerou nos n.os 107 a 111 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito a este respeito. Estes argumentos devem, por conseguinte, ser julgados improcedentes.

326    Quanto às alegações da Servier relativas aos obstáculos regulamentares e comerciais que a Lupin teria que enfrentar, nomeadamente os relacionados com a necessidade de encontrar parceiros comerciais, bem como com a alegada desvirtuação da argumentação da Servier em primeira instância relativa a essas dificuldades comerciais, a Servier tenta, na realidade, pôr em causa apreciações factuais, efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 736 a 742 e 744 a 749 do acórdão recorrido, que não são da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 58 do presente acórdão.

327    Daí resulta que improcede a primeira parte do quinto fundamento.

2.      Quanto à segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo

328    Com a segunda parte do seu quinto fundamento, a Servier, ao reiterar a argumentação desenvolvida no âmbito do seu primeiro fundamento, acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito ao qualificar a transação Lupin de restrição da concorrência por objetivo.

a)      Quanto ao pagamento compensatório

1)      Argumentos das partes

329    Referindo‑se à argumentação desenvolvida no âmbito do seu primeiro fundamento, a Servier contesta o raciocínio do Tribunal Geral de que um acordo comercial concomitante a uma transação em matéria de patentes constitui um pagamento compensatório que converte essa transação em anticoncorrencial por objetivo quando o referido acordo comercial não foi celebrado em condições de mercado.

330    A Servier opõe‑se à constatação feita pelo Tribunal Geral, no n.° 827 do acórdão recorrido, de que o pagamento de uma quantia de 40 milhões de euros à Lupin constituía um pagamento compensatório. A comparação efetuada pelo Tribunal Geral, no n.° 816 do acórdão recorrido, entre essa quantia e os lucros esperados pela Lupin é irrelevante, uma vez que esse montante representa a contrapartida de patentes e a Lupin não renunciou a entrar no mercado, antes sujeitou essa entrada ao respeito de certas condições. Mesmo que essa quantia tivesse excedido o valor dos lucros realizados pela Lupin no decurso de dois anos, a Comissão não demonstrou que esse valor era suficiente para incentivar a Lupin a renunciar indefinidamente a entrar no mercado do perindopril.

331    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

332    Há que observar que a argumentação da Servier consiste, em substância, em alegar que, ao contrário do que declarou o Tribunal Geral, o pagamento da quantia de 40 milhões de euros que efetuou à Lupin em troca da cessão dos direitos de propriedade intelectual relativos a três pedidos de patentes não constitui um pagamento compensatório mas sim a contrapartida legítima da aquisição desses direitos.

333    A este respeito, há que lembrar que, como resulta dos n.os 163 e 166 do presente acórdão, embora os montantes correspondentes a uma remuneração pelo fornecimento de bens ou serviços ao fabricante de medicamentos originais se possam revelar justificados, não é esse o caso se forem excessivos e, portanto, desnecessários para esse fim. Nesse caso, como foi declarado no n.° 165 do presente acórdão, há que verificar se o saldo líquido positivo desses montantes, incluindo eventuais despesas justificadas, é suficiente para incentivar efetivamente um fabricante de medicamentos genéricos a renunciar a entrar no mercado em causa, sem que se exija que se esse saldo seja necessariamente superior aos lucros que teria obtido se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes que foi resolvido por transação.

334    No caso, o Tribunal Geral considerou, no essencial, nos n.os 814 a 824 do acórdão recorrido, que o pagamento pela Servier de uma quantia de 40 milhões de euros à Lupin em contrapartida da cessão de três pedidos de patentes apresentados por esta última devia ser tido em conta entre as transferências de valor que permitem determinar a existência de um pagamento compensatório que constitui a contrapartida da renúncia da Lupin a entrar no mercado. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, no n.° 825 deste acórdão, que a Servier não tinha conseguido apresentar elementos que permitissem concluir que esse pagamento correspondia a uma transação efetuada em condições normais do mercado. Assim, considerando, em substância, que a tecnologia cedida não justificava o valor desse montante, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 827 do referido acórdão, pelo caráter incentivador desse pagamento no contexto da transação nos litígios em matéria de patentes que opunham a Servier à Lupin. Ora, tendo em conta os critérios recordados no número anterior do presente acórdão, estas apreciações do Tribunal Geral não enfermam de nenhum erro de direito.

335    Na falta de erros de direito invocados pela Servier que permitam pôr em causa a validade destas apreciações feitas pelo Tribunal Geral, importa, quanto ao restante, rejeitar a argumentação da Servier uma vez que visa, na realidade, pedir ao Tribunal de Justiça que proceda a uma nova apreciação dos factos e das provas, o que não é da sua competência em segunda instância, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 58 do presente acórdão.

336    Improcede, pois, a argumentação da Servier.

b)      Quanto à nocividade das cláusulas da transação Lupin.

1)      Argumentos das partes

337    No que respeita à cláusula de não contestação estipulada na transação Lupin, a Servier critica o Tribunal Geral por, no n.° 836 do acórdão recorrido, ter considerado que essa cláusula constituía uma restrição evidente da concorrência, sem examinar o contexto em que se inscrevia a referida cláusula. Na opinião da Servier, a transação Lupin não teve efeito na contestação da validade da patente 947 por terceiros tais como a Apotex, o que, de resto, o Tribunal Geral referiu a respeito dos acordos celebrados entre a Servier e a Krka. No que respeita às outras patentes da Servier, esta afirma que a Lupin não tinha nem a intenção nem a capacidade de as contestar, o que o Tribunal Geral não examinou.

338    Quanto à cláusula de não comercialização prevista na transação Lupin, a Servier nega que esta tivesse podido limitar a concorrência. O Tribunal Geral, nos n.os 843 e 844 do acórdão recorrido, não teve em conta o contexto desta cláusula, do qual resulta que a entrada da Lupin no mercado no Reino Unido estava bloqueada pela patente 947 e pelas injunções judiciais obtidas pela Servier, bem como pelo facto de a Lupin não dispor, nesse antigo Estado‑Membro, de autorizações de introdução no mercado nem de parceiros comerciais.

339    Em contrapartida, a transação Lupin previu que a Lupin mantinha a possibilidade de entrar no mercado do perindopril abrangido pelas patentes da Servier, na condição de esta ter previamente autorizado um terceiro a entrar neste mercado através de uma licença das suas patentes. Ora, tal possibilidade de entrada antecipada opõe‑se à qualificação da transação Lupin como restrição da concorrência por objetivo. No n.° 954 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu expressamente que os efeitos anticoncorrenciais de uma cláusula de não comercialização podiam ser neutralizados pela concessão de uma licença de patente.

340    No entanto, o Tribunal Geral excluiu, no n.° 852 do acórdão recorrido, essa possibilidade devido ao caráter incerto dessa entrada antecipada. Essa razão não figura na decisão controvertida. A Servier alega que, ao substituir assim pelos seus os fundamentos da Comissão, o Tribunal Geral violou o limite das suas competências e violou o princípio do contraditório. De qualquer forma, esses fundamentos são manifestamente errados e desvirtuam os factos.

341    No que respeita à cláusula que prevê a celebração de um acordo de fornecimento de perindopril, a Servier alega que é pró‑concorrencial, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 858 e 859 do acórdão recorrido, uma vez que permitia à Lupin entrar no mercado do perindopril. Este caráter pró‑concorrencial não é posto em causa pelo facto de o compromisso da Servier de celebrar um acordo de fornecimento com a Lupin estar sujeito a condições nem pelo facto de nenhum acordo deste tipo ter acabado por ser celebrado. Quanto à inexistência de sanção expressa em caso de não execução desse compromisso, a Servier sublinha que tal fundamento não existia na decisão controvertida. A Servier alega que a única razão pela qual não foi celebrado nenhum acordo definitivo de fornecimento provém do facto de a Lupin ter conseguido obter uma autorização de introdução no mercado para o seu perindopril.

342    No que respeita à cláusula de cessão e de licença prevista na transação Lupin, a Servier considera que podia ser interpretada como uma licença implícita sobre as suas próprias patentes, cláusula cujos efeitos são pró‑concorrenciais. A Servier acusa o Tribunal Geral de ter rejeitado este argumento com o fundamento de que o conteúdo desta cláusula era obscuro e incerto. Ora, o primeiro destes fundamentos, relativo ao caráter obscuro dessa cláusula, é improcedente e não figura na decisão controvertida. O segundo desses fundamentos, relativo ao caráter incerto da possibilidade de a Servier conceder uma licença de patente à Lupin em razão das condições recordadas no n.° 339 do presente acórdão, não põe em causa a natureza pró‑concorrencial da cláusula de cessão e de licença.

343    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

344    No caso, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 836 e 837 do acórdão recorrido, que o caráter restritivo da concorrência da cláusula de não contestação prevista na transação Lupin era «evidente», uma vez que essa cláusula previa que a Lupin era obrigada a renunciar a contestar em todos os Estados‑Membros do EEE a validade das patentes da Servier que protegem o perindopril.

345    Nos n.os 839 a 864 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que a cláusula de não comercialização prevista na transação Lupin proibia a Lupin de comercializar uma versão genérica do perindopril em qualquer mercado nacional abrangido por essa transação, salvo em três hipóteses: primeiro, quando as patentes da Servier caducavam, eram declaradas inválidas ou eram revogadas; segundo, se a Servier autorizasse a comercialização por um terceiro de uma versão genérica produzida por ela; ou, terceiro, se a Servier renunciasse a pedir ou não conseguisse obter uma injunção contra um terceiro que comercializasse uma versão genérica do perindopril que não fosse produzida por ela.

346    O Tribunal Geral considerou que, apesar das ambiguidades de certas cláusulas da transação Lupin sobre a questão de saber se o alcance dessa transação se estendia a outras formas do perindopril além da composta pela forma cristalina alfa da erbumina visada pela patente 947, a consequência prática dessas cláusulas era proibir a Lupin de entrar no mercado do perindopril enquanto as patentes da Servier continuassem em vigor, a menos que a Servier tivesse previamente autorizado a entrada de terceiros nesse mercado ou essas patentes não permitissem à Servier opor‑se a tal entrada.

347    Nos n.os 858 a 860 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a relevância do facto de a transação Lupin prever a adoção futura de um acordo de fornecimento entre a Servier e a Lupin, em substância porque a Servier não era obrigada a celebrar tal acordo e a falta de tal adoção não implicava consequências jurídicas significativas para as partes.

348    Pelos motivos enunciados nos n.os 865 a 887 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a Comissão podia validamente qualificar de restrição da concorrência por objetivo essas restrições impostas ao comportamento da Lupin.

349    Com a sua argumentação, a Servier alega que as cláusulas de não contestação, de não comercialização, de cessão e de licença, bem como a que prevê a celebração de um acordo de fornecimento, previstas na transação Lupin não eram anticoncorrenciais. Além disso, a argumentação da Servier não tem em conta a jurisprudência recordada no n.° 83 do presente acórdão, da qual resulta que o critério que permite verificar se uma transação como a transação Teva constitui uma restrição da concorrência por objetivo consiste em verificar se as transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos constituem a contrapartida da sua renúncia a entrar no mercado em causa. Ora, como resulta dos n.os 332 a 336 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar que a transação Lupin previa um pagamento compensatório de 40 milhões de euros.

350    Resulta ainda do n.° 293 do acórdão recorrido que as transações através dos quais um fabricante de medicamentos genéricos candidato à entrada num mercado reconhece, pelo menos temporariamente, a validade de uma patente detida por um fabricante de medicamentos originais e se obriga, por isso, a não a contestar nem a entrar nesse mercado são suscetíveis de produzir efeitos restritivos da concorrência, uma vez que a contestação da validade e do alcance de uma patente faz parte do jogo normal da concorrência nos setores em que existem direitos de exclusividade sobre tecnologias [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 81]. Por outro lado, o facto de um acordo limitar as possibilidades de um concorrente potencial concorrer com o titular de uma patente sem, todavia, excluir qualquer possibilidade de concorrência por parte desse concorrente não pode desmentir a conclusão de que tal acordo constitui uma restrição da concorrência por objetivo.

351    Assim, uma vez que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito nos fundamentos do acórdão recorrido resumidos nos n.os 344 a 348 do presente acórdão, esta argumentação deve ser rejeitada.

352    Quanto ao restante, no que respeita aos argumentos da Servier resumidos nos n.os 339 a 342 do presente acórdão, relativos aos efeitos alegadamente pró‑concorrenciais da transação Lupin, basta recordar que, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 73, 76 e 77 do presente acórdão, tais efeitos são irrelevantes para o exame da existência de uma restrição da concorrência por objetivo.

c)      Quanto ao âmbito de aplicação da transação Lupin

1)      Argumentos das partes

353    A Servier contesta o entendimento do Tribunal Geral, exposto nos n.os 875 a 877 do acórdão recorrido, no sentido de que a Comissão tinha fundamento para considerar que o âmbito de aplicação das cláusulas restritivas da concorrência previstas pela transação Lupin se estendia a produtos diferentes do perindopril composto pela forma cristalina alfa da erbumina objeto da patente 947, que era objeto dos litígios que foram resolvidos por acordo nessa transação, e podia, consequentemente, justificar a qualificação dessa transação de restrição da concorrência por objetivo.

354    Ao subscrever assim a interpretação da transação Lupin mais desfavorável à Servier, o Tribunal Geral violou o princípio da presunção de inocência, bem como a jurisprudência segundo a qual a existência de uma dúvida no espírito do julgador deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração.

355    A Servier alega ainda que o entendimento, no n.° 877 do acórdão recorrido, de que as cláusulas de não comercialização e de não contestação estipuladas numa transação em matéria de patentes podem ser qualificadas de restrição da concorrência por objetivo pelo simples facto de excederem o âmbito de aplicação de uma «patente distintamente identificada» é juridicamente errada. Com efeito, uma transação desse tipo poderia licitamente abranger um conjunto de patentes a fim de evitar litígios futuros. No caso, a transação Lupin de modo nenhum impediu a Lupin de comercializar versões do perindopril não contrafeitas da patente 947.

356    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

357    No n.° 877 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, numa transação num litígio relativo a uma patente, a presença de cláusulas de não contestação e de não comercialização cujo alcance se estende além do âmbito de aplicação dessa patente «apresenta de forma evidente um grau de nocividade para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência suficiente para a introdução destas cláusulas seja qualificada como restrição por objetivo, sem que seja necessário demonstrar, além disso, a existência de um incentivo».

358    No n.° 878 deste acórdão, o Tribunal Geral declarou que, mesmo admitindo que a Comissão tivesse cometido um erro ao considerar que o alcance da transação Lupin excedia o âmbito de aplicação da patente 947, esse erro não era suscetível de pôr em causa a declaração, pela Comissão, de uma restrição da concorrência por objetivo, visto que essa declaração assenta essencialmente na existência de um pagamento compensatório que incentivou a Lupin a renunciar a entrar no mercado em causa. Assim, resulta daí, bem como do facto de as alegações da Servier dirigidas a contestar a existência de tal pagamento no caso presente, terem sido rejeitadas nos n.os 329 a 336 do presente acórdão, que as considerações expostas no n.° 877 do acórdão recorrido o foram por acréscimo. Daí resulta que as alegações da Servier contra esse n.° 877 são inoperantes e devem ser julgadas improcedentes.

359    Resulta destas considerações que improcede a segunda parte do quinto fundamento.

3.      Quanto à terceira parte, relativa à data do termo da infração

a)      Argumentos das partes

360    Com a terceira parte do seu quinto fundamento, a Servier acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito no que respeita à determinação da data do termo da infração relativa à transação Lupin.

361    A Servier recorda que impugnou, no seu recurso em primeira instância, a determinação dessa data, alegando a incoerência e a falta de fundamentação da decisão controvertida a esse respeito. No que respeita a França, a Comissão fixou o termo da infração na data da entrada de outro fabricante de medicamentos genéricos, a Sandoz AG, nesse mercado em setembro de 2008. Em contrapartida, quanto à Bélgica, à República Checa, à Irlanda e à Hungria, rejeitou a data de entrada da Sandoz nesses mercados e considerou que essa infração tinha cessado com a adoção da decisão do IEP de 6 de maio de 2009.

362    Ao não criticar esta incoerência e este erro manifesto de apreciação, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. No n.° 898 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou‑se na ambiguidade da redação da transação Lupin, e, nomeadamente nos n.os 899 e 903 deste acórdão, no facto de as partes terem continuado a aplicar a transação Lupin após a entrada da Sandoz no mercado do perindopril. Ora, tal fundamento não figurava na decisão controvertida. O Tribunal Geral substituiu, assim, pelos seus os fundamentos da Comissão. Ora, na opinião da Servier, os fundamentos acolhidos pelo Tribunal Geral são inexatos. Se a Lupin não entrou no mercado, foi porque não dispôs das autorizações exigidas para esse efeito.

363    A Servier alega que, de acordo com os termos da transação Lupin, a entrada da Sandoz no mercado teve por efeito liberar a Lupin da sua obrigação de não comercialização, como resulta do considerando 2127 da decisão controvertida no que respeita ao mercado em França. Pela mesma razão, o Tribunal Geral devia ter reconhecido que a entrada da Sandoz teve igualmente por efeito pôr termo à infração relativa à transação Lupin na Bélgica em julho de 2008, na República Checa em janeiro de 2009, na Irlanda em junho de 2008 e na Hungria em dezembro de 2008.

364    A Servier pede ao Tribunal de Justiça que anule o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida e, em conformidade, reduza o montante da coima que lhe foi aplicada de 37 102 100 euros para 34 745 100 euros.

365    A Comissão contesta estes argumentos.

366    Segundo essa instituição, a interpretação da cláusula de não comercialização estipulada na transação Lupin, que foi exposta no considerando 1039 da decisão controvertida, assenta nas declarações da Servier. De acordo com essa interpretação, essa cláusula continuou a produzir os seus efeitos após a entrada de uma versão genérica do perindopril produzida pela Sandoz nos mercados na Bélgica, na República Checa, na Irlanda e na Hungria.

367    Após a Sandoz lançar, em 17 de setembro de 2008, esse medicamento, que não incluía nenhum dos cristais protegidos pela patente 947, a Lupin pediu à Servier que confirmasse se podia lançar o seu medicamento genérico. Na sua resposta de 31 de março de 2009, a Servier não respondeu de forma positiva a este pedido. Nestas condições, a entrada da Lupin no mercado só se tornou possível a partir da decisão do IEP de 6 de maio de 2009.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

368    Com a sua argumentação, a Servier alega, em substância, que, ao recusar considerar que a infração relativa à transação Lupin tinha cessado nos mercados na Bélgica, na República Checa, na Irlanda e na Hungria à data da entrada de uma versão genérica do perindopril produzida pela Sandoz nesses mercados, como tinha feito para o mercado francês, a Comissão feriu a decisão controvertida de contradição na fundamentação e de erro manifesto de apreciação, que o Tribunal Geral deveria ter criticado.

369    A esse respeito, resulta do considerando 3136 da decisão controvertida que a Comissão considerou que as infrações aos artigo 101.° TFUE tinham tido início na data da celebração das transações controvertidas e tido o seu termo na « data a partir da qual os concorrentes genéricos [tinham tido] condições para adotar um comportamento concorrencial». Segundo o artigo 5.° dessa decisão, a infração relativa à transação Lupin teve início em 30 de janeiro de 2007 e teve o seu termo em 6 de maio de 2009, data da adoção da decisão do OEB que revogou a patente 947, com exceção, porém, de cinco mercados nacionais. Entre esses mercados, figura o caso do mercado francês em relação ao qual a Comissão considerou que a infração tinha terminado em 16 de setembro de 2008, data da entrada de uma versão genérica do perindopril produzida pela Sandoz nesse mercado.

370    Ora, no considerando 410 da decisão controvertida, a Comissão afirmou que a Sandoz tinha lançado o seu perindopril genérico na Bélgica em julho de 2008, na República Checa em janeiro de 2009, na Irlanda em junho de 2008 e na Hungria em dezembro de 2008.

371    No âmbito de um fundamento em primeira instância relativo às coimas que lhe tinham sido aplicadas por força do artigo 101.° TFUE, a Servier contestou a duração da infração relativa à transação Lupin. Alegava que a Comissão deveria, como fez para o mercado francês, ter concluído que essa infração tinha cessado na Bélgica, na República Checa, na Irlanda e na Hungria à data da entrada da Sandoz nesses mercados.

372    O Tribunal Geral considerou, no n.° 894 do acórdão recorrido, que essa transação podia ser interpretada no sentido de que permitia «uma entrada da Lupin no mercado com os seus próprios produtos quando um “produto” genérico que não é fabricado pela Servier entra no mercado sem violação de uma injunção e sem que um pedido de injunção apresentado pela Servier tenha ainda sido julgado improcedente».

373    Contudo, devido à redação ambígua da definição do termo «produto» utilizada na transação Lupin, o Tribunal Geral considerou que não existia uma resposta clara à questão de saber se a entrada da Sandoz num mercado com um produto que não fosse composto pela forma cristalina alfa da erbumina protegida pela patente 947 podia ter por efeito pôr termo aos efeitos da cláusula de não comercialização. Segundo o Tribunal Geral, estas incertezas eram suscetíveis de dissuadir a Lupin de entrar nos mercados em causa, apesar da chegada da versão genérica do perindopril da Sandoz a esses mercados.

374    O Tribunal Geral considerou, no n.° 902 do acórdão recorrido, que «a circunstância de a cláusula de não comercialização [...], ter permanecido em vigor, marca[n]do assim a manutenção de um acordo de vontade entre as partes — eventualmente em contradição com a interpretação das condições de aplicação da cláusula, que, a posteriori, poderia ser acolhida, nomeadamente, por um juiz que aprecie o contrato —, bastava para permitir à Comissão constatar que o acordo de vontade entre a Servier e a Lupin e, assim, a infração continuavam apesar das entradas da Sandoz no mercado».

375    Por último, o Tribunal Geral referiu, no n.° 903 do acórdão recorrido, que «[e]m todo caso, [...] a cláusula de não comercialização continuava a ser aplicada pela Servier e pela Lupin após as entradas sucessivas da Sandoz nos quatro mercados em causa». Ora, uma vez que a prossecução de uma infração pode ser declarada além do período em que um acordo está formalmente em vigor, quando as empresas em causa tenham continuado a adotar uma conduta proibida, o Tribunal Geral, pelos fundamentos expostos nos n.os 905 e 906 desse acórdão, rejeitou a argumentação da Servier.

376    No caso, como foi recordado no n.° 369 do presente acórdão, a Comissão, na decisão controvertida, não considerou como critério para determinar o fim do período da infração a data a partir da qual tinham cessado os comportamentos ilícitos enquanto tais, mas sim a «data a partir da qual os concorrentes genéricos [tinham estado] em condições de adotar um comportamento concorrencial». Por conseguinte, e na falta de qualquer indicação em sentido contrário fornecida nos fundamentos do acórdão recorrido, há que considerar que a situação resultante da chegada da versão genérica do perindopril produzida pela Sandoz aos mercados nacionais suscitava, em todos os mercados em causa, a questão de saber se a cláusula de não comercialização em causa continuava a produzir os seus efeitos.

377    Todavia, o Tribunal Geral não apresenta, no acórdão recorrido, nenhuma explicação das razões pelas quais o mercado francês tinha sido tratado de forma diferente, no considerando 2127 da decisão controvertida, em relação aos mercados belga, checo, irlandês e húngaro. É certo que, no n.° 900 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez referência a incertezas mesmo no que respeita ao mercado francês, quanto à data em que a Lupin era livre de entrar nesse mercado devido à entrada da Sandoz no mesmo, mas não retirou daí nenhuma consequência no que respeita à data em que a infração cessou nesse mercado. Assim, o acórdão recorrido não permite compreender por que razão a Comissão não cometeu nenhuma ilegalidade, segundo o Tribunal Geral, ao tratar o mercado francês de forma diferente dos outros quatro mercados acima referidos.

378    Com efeito, embora esta questão, relacionada com a situação resultante da chegada da Sandoz ao mercado, se colocasse, assim, em termos comparáveis em França, na Bélgica, na República Checa, na Irlanda, e na Hungria, o Tribunal Geral não julgou procedente o fundamento de anulação da Servier relativo à incoerência da fundamentação da decisão controvertida.

379    Em face destes elementos, há que declarar que o acórdão recorrido enferma de um erro de direito e que a terceira parte do quinto fundamento deve ser acolhida.

F.      Quanto ao sétimo fundamento, relativo às coimas

380    Com o seu sétimo fundamento, a Servier contesta as apreciações feitas pelo Tribunal Geral sobre os seus pedidos de anulação das coimas que lhe foram aplicadas, bem como sobre o cálculo dos seus montantes. Este fundamento de recurso inclui duas partes.

1.      Quanto à primeira parte, relativa à violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas

a)      Argumentos das partes

381    Segundo a Servier, ao declarar, no n.° 1660 do acórdão recorrido, que a Servier «devia ter previsto, eventualmente após ter recorrido a aconselhamento especializado, que o seu comportamento poderia ser declarado incompatível com as regras de concorrência do direito da União», o Tribunal Geral violou o princípio da legalidade dos delitos e das penas consagrado no artigo 49.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não cumpriu o seu dever de fundamentação e decidiu com base num fundamento contraditório face ao enunciado no n.° 1666 desse acórdão, segundo o qual «o caráter ilícito [dos acordos a que se refere a decisão controvertida] podia não se revelar, de forma clara, a um observador externo tal como a Comissão ou juristas especializados nos domínios em causa».

382    Com efeito, a Servier considera que, por força desse princípio, a Comissão não pode aplicar coimas numa situação nova, caracterizada por uma falta de decisões ou de jurisprudência anteriores e complexa. Ora, o presente processo era, segundo a Servier, simultaneamente novo e complexo. A novidade desse acórdão é comprovada por uma declaração do chefe de unidade responsável pelo inquérito da Comissão que levou à adoção da decisão controvertida, pelos considerandos 3091, 3092 e 3107 dessa decisão e pelas apreciações feitas pelo Tribunal Geral no n.° 1660 do acórdão recorrido.

383    Quanto à complexidade das questões económicas e jurídicas suscitadas, esta resulta nomeadamente da duração excecional da decisão controvertida, bem como das declarações nesse sentido feitas pela Comissão ao secretário do Tribunal Geral no âmbito do processo em primeira instância. Essa complexidade levou a Comissão, ao longo de 2014, a alterar as Orientações relativas aos acordos de transferência de tecnologia de 2004, a fim de clarificar que as transações podiam ser proibidas pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

384    A Servier critica o acórdão recorrido por ter o Tribunal Geral desvirtuado os factos ao dar a entender que teria bastado recorrer a conselhos esclarecidos para identificar o caráter ilícito do seu comportamento à luz do artigo 101.° TFUE.

385    A Comissão contesta estes argumentos.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

386    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da legalidade dos crimes e das penas exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as punem. Este requisito está preenchido quando a pessoa interessada pode saber, a partir da redação da disposição relevante e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões pelos quais responde penalmente (Acórdão de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C‑266/06 P, EU:C:2008:295, n.° 39 e jurisprudência referida).

387    O princípio da legalidade dos crimes e das penas não pode, por conseguinte, ser interpretado no sentido de proscrever a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal pela interpretação jurisprudencial de um processo para outro, desde que o resultado seja razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação então seguida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.° 41 e jurisprudência referida).

388    O alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange e do número e qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado ato. É, em especial, o que acontece com os profissionais habituados a ter de dar provas de grande prudência no exercício da sua profissão. Também é de esperar que tenham especial cuidado na avaliação dos riscos que o ato comporta (v., Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.° 42, e jurisprudência referida).

389    No caso, nos n.os 1656 a 1658 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou essa jurisprudência do Tribunal de Justiça. Nos n.os 1659 a 1665 desse acórdão, sublinhou, em substância, que, tendo em conta o alcance da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, a Servier não podia ignorar que, ao remunerar os fabricantes de medicamentos genéricos para não entrarem no mercado do perindopril, adotava um comportamento proibido por essa disposição. A esse respeito, importa sublinhar, pelos motivos enunciados no n.° 144 do presente acórdão, que o caráter alegadamente inédito do critério que consiste em qualificar como restrições da concorrência por objetivo os comportamentos na origem das infrações declaradas não é suscetível de pôr em causa essa qualificação.

390    Por outro lado, como o Tribunal Geral sublinhou, nos n.os 1666 e 1667 do acórdão recorrido, o facto de as transações controvertidas e o seu contexto serem complexos e terem podido suscitar certas dificuldades durante o procedimento administrativo, justificando assim a duração desse procedimento e da decisão controvertida, não é suscetível de pôr em causa o facto de as empresas envolvidas não poderem ignorar o caráter ilícito desses acordos. Com efeito, como resulta de uma leitura de conjunto do acórdão recorrido, o próprio objetivo destes acordos era afastar do mercado do perindopril os concorrentes potenciais da Servier que eram os fabricantes de medicamentos genéricos através do pagamento de pagamentos compensatórios, meio alheio ao livre jogo da concorrência.

391    Nessas condições, improcede a primeira parte do sétimo fundamento.

2.      Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

a)      Argumentos das partes

392    Com a segunda parte do seu sétimo fundamento, a Servier critica o acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente o seu fundamento em primeira instância relativo à violação do princípio da proporcionalidade da coima, pelo qual contestava a fixação do montante de base da coima para a infração ao artigo 101.° TFUE em 11 % do valor das suas vendas.

393    Afirma que o Tribunal Geral não tomou em consideração a natureza complexa e nova da situação em causa nem vários outros elementos contextuais que teriam justificado uma redução do montante da coima aplicada à Servier,

394    Ao rejeitar, no n.° 1797 do acórdão recorrido, a relevância das decisões judiciais que reconheceram a validade da patente 947, o Tribunal Geral não teve em conta o contexto de patente do processo. A Servier foi paradoxalmente punida de forma mais grave pelo facto de a Decisão do IEP de 27 de julho de 2006 lhe ter dado ganho de causa, prolongando assim a duração do processo relativo à validade da patente 947. A Servier considera que não deveria ter sido punida tão severamente como se essa patente tivesse sido fictícia.

395    Para apreciar a gravidade das infrações, a Comissão, no considerando 3130 da decisão controvertida, baseou‑se na dimensão das quotas de mercado detidas pela Servier, que estimou em mais de 90 %. O Tribunal Geral considerou, no n.° 1602 do acórdão recorrido, que essa estimativa, que assentava numa falsa definição do mercado relevante, era errada. No entanto, o Tribunal Geral não extraiu as consequências desse erro para o cálculo do montante da coima. Limitou‑se, no n.° 1954 desse acórdão, a remeter para a leitura dos n.os 1948 a 1953 do referido acórdão, sem contudo indicar as razões pelas quais não tinha reduzido esse montante. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade e o seu dever de fundamentação.

396    O Tribunal Geral também não tomou em consideração o facto de as transações controvertidas não serem secretos. Ora, noutros processos, isso levou a Comissão a aplicar um coeficiente de gravidade da infração inferior ao utilizado no caso presente.

397    A Servier observa que, além de esses acordos não terem atrasado a entrada de medicamentos genéricos no mercado, não se podia considerar, no n.° 1883 do acórdão recorrido, que constituíam uma forma extrema de repartição de mercado e de limitação da produção. Essa apreciação contradiz a que figura no n.° 1666 desse acórdão, segundo a qual os referidos acordos podiam não se revelar claramente ilícitos.

398     A Comissão contesta estes argumentos.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

399    Antes de mais, há que rejeitar o argumento de que o Tribunal Geral não tomou em consideração, para efeitos da avaliação da gravidade das infrações, o seu caráter alegadamente inédito. A este respeito, importa recordar, pelos motivos enunciados no n.° 144 do presente acórdão, que isso não tem influência na qualificação das transações controvertidas de restrição da concorrência por objetivo. Por outro lado, conforme referido no n.° 390 do presente acórdão, o próprio objeto destes acordos era afastar do mercado os concorrentes potenciais da Servier.

400    Além disso, ao invocar a importância dos direitos conferidos pelas patentes para contestar o n.° 1797 do acórdão recorrido, a Servier limita‑se a repetir que o Tribunal Geral não teve em consideração o alegado reconhecimento da validade da patente 947 pelas partes. Ora, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao confirmar a análise da Comissão segundo a qual as transações controvertidas tinham por objeto, além de transações em litígios em matéria de patentes, a exclusão de concorrentes do mercado, o que constitui uma forma extrema de repartição de mercado e de limitação da produção.

401    Além disso, contrariamente ao que alega a Servier, e tendo em conta o objeto das transações controvertidas, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, nos n.os 1786 a 1791 do acórdão recorrido, que a Comissão podia, para efeitos do cálculo do montante das coimas, considerar que a Servier tinha cometido dolosamente infrações ao artigo 101.° TFUE.

402    No que respeita à avaliação das quotas de mercado detidas pela Servier, há que observar que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito nem desvirtuou a decisão controvertida ao declarar, no n.° 1951 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha tido em conta o facto de a Servier ter cometido várias infrações relativas a um mesmo produto, nas mesmas zonas geográficas e durante os mesmos períodos. Para evitar chegar a uma sanção desproporcionada, esta instituição decidiu limitar, para cada infração, a proporção do valor das vendas realizadas pela Servier tomada em consideração para determinar o montante de base da coima. Essa correção conduziu a uma redução média de 54,5 % de todos os valores das vendas tidos em conta a título das diferentes infrações ao artigo 101.° TFUE.

403    Tendo em conta estas reduções, o Tribunal Geral podia considerar, no n.° 1954 do acórdão recorrido, que os montantes das coimas não eram desproporcionados, apesar de a Comissão ter considerado que a Servier dispunha de quotas de mercado muito grandes, com base numa definição do mercado relevante que o Tribunal Geral considerou inexata.

404    No que respeita à alegação da Servier de que o montante das coimas deveria ter sido reduzido tendo em conta o facto de as transações controvertidas não serem secretos nem terem atrasado a entrada das versões genéricas do perindopril no mercado, basta observar que a Servier pede, na realidade, ao Tribunal de Justiça que proceda a uma nova apreciação dos elementos do litígio em primeira instância. Tal pedido não é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância. Com efeito, não cabe ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito em segunda instância, substituir, por motivos de equidade, pela sua a apreciação do Tribunal Geral que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas por terem violado o direito da União (Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.° 125 e jurisprudência referida).

405    Em face destes elementos, há que julgar improcedente a segunda parte do sétimo fundamento e, com ela, o sétimo fundamento na íntegra.

G.      Conclusões quanto ao presente recurso

406    Tendo o quinto fundamento sido julgado procedente na terceira parte, há que anular, em conformidade com os pedidos da Servier, o n.° 5 do dispositivo do acórdão recorrido, na parte em que julga improcedentes as alegações do fundamento em primeira instância da Servier invocado a título subsidiário no que respeita à duração da infração alegada e ao cálculo do montante da coima pela infração relativa à transação Lupin. É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

VII. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

407    Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

408    Como resulta do n.° 891 do acórdão recorrido, no âmbito do seu recurso em primeira instância, a Servier desenvolveu, no âmbito de um fundamento subsidiário, alegações destinadas a contestar a duração da infração relativa à transação Lupin, pelo facto de a Comissão dever, como tinha feito para o mercado francês, concluir que essa infração tinha cessado na Bélgica, na República Checa, na Irlanda e na Hungria à data da entrada da Sandoz nesses mercados.

409    Essas alegações foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e a sua análise não exige a adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução. O Tribunal de Justiça considera que o recurso no processo T‑691/14 está em condições de ser julgado relativamente a essas alegações e que há que decidir definitivamente sobre elas.

410    Pelos motivos enunciados nos n.os 369 a 378 do presente acórdão, há que declarar procedente a alegação de erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, que, ao não declarar que a fundamentação relativa ao termo da infração que decorre da transação Lupin no mercado francês, por um lado, e nos mercados belga, checo, irlandês e húngaro, era contraditória.

411    Por conseguinte, há que anular o artigo 5.° da decisão controvertida, na parte em que declara que a infração relativa à transação Lupin cessou em 6 de maio de 2009, no que diz respeito à Bélgica, à República Checa, à Irlanda e à Hungria. Há que anular também o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), dessa decisão, na parte em que fixa o montante da coima da Servier pela sua participação na transação Lupin em 37 102 100 euros.

412    Tendo o Tribunal de Justiça declarado a ilegalidade da decisão controvertida, pode, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, substituir pela sua a apreciação da Comissão e, desse modo, suprimir, reduzir ou aumentar a coima. Esta competência é exercida tendo em conta todas as circunstâncias de facto (Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.° 78 e jurisprudência referida).

413    Tendo em conta que a legalidade do artigo 5.° da decisão controvertida não foi impugnada perante o juiz da União na parte em que este determinou que a infração resultante da transação Lupin tinha cessado em 16 de setembro de 2008 em França, devido à entrada da Sandoz no mercado deste Estado‑Membro nessa data, há que declarar que esse dado factual está definitivamente assente. Daí resulta que a contradição nos fundamentos da decisão recorrida que leva o Tribunal de Justiça a anular o artigo 5.° dessa decisão, uma vez que prevê que a infração que declara cessou em 6 de maio de 2009 no que respeita à Bélgica, à República Checa, à Irlanda e à Hungria, só pode ser corrigida aplicando o mesmo raciocínio aplicado no caso de França, para efeitos da fixação do montante da coima relativa à infração que resulta da transação Lupin.

414    Há que considerar, portanto, para efeitos de fixação do montante dessa coima, de acordo com as indicações que resultam do considerando 410 da decisão controvertida, que a infração relativa à transação Lupin cessou na Bélgica em julho de 2008, na República Checa em janeiro de 2009, na Irlanda em junho de 2008 e na Hungria em dezembro de 2008.

415    Resulta desta constatação que a duração a tomar em consideração para efeitos da determinação do montante da coima deve ser fixada em 1,4 anos para a Bélgica, 1,9 anos para a República Checa, 1,3 anos para a Irlanda e 1,8 anos para a Hungria.

416    No âmbito do presente processo, a Servier submeteu ao Tribunal de Justiça um cálculo sob a forma de quadro, retomando cada uma das etapas do método seguido pela Comissão para fixar o montante da coima para a infração relativa à transação Lupin. Esse cálculo inclui os períodos de infração revistos mencionados no número anterior do presente acórdão e assenta nos dados fornecidos pela Comissão no âmbito do processo em primeira instância. Esse cálculo leva a fixar esse montante corrigido dessa coima em 34 745 100 euros.

417    Uma vez que a Comissão não impugnou esse montante nem esse método de cálculo, que corresponde, aliás, ao método que ela própria tinha aplicado na decisão controvertida, e à luz de todas as circunstâncias de facto e de direito do caso, há que fixar o montante da coima aplicada à Servier no artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida na quantia de 34 745 100 euros.

 Quanto às despesas

418    De acordo com o artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

419    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo Regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

420    De acordo com o artigo 138.°, n.° 3, desse regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado atendendo às circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suportará uma fração das despesas da outra parte.

421    No caso, a Servier pediu a condenação da Comissão nas despesas relativas ao processo de recurso de segunda instância e esta foi parcialmente vencida nos seus pedidos nesse recurso e, parcialmente, nos seus pedidos em primeira instância.

422    Uma vez que é dado provimento parcial ao recurso da Servier, há que condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso.

423    Nos termos do artigo 184.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, um interveniente em primeira instância, quando não tenha interposto o recurso de segunda instância por si próprio, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso de segunda instância se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participa no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

424    Tendo a EFPIA intervindo no processo no Tribunal de Justiça, há que decidir que, nas circunstâncias do caso, suportará as suas próprias despesas.

425    O artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, deste regulamento, prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

426    No caso, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É anulado o n.° 5 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T691/14, EU:T:2018:922), na parte em que julga improcedentes as alegações do fundamento de primeira instância da Servier SAS, da Servier Laboratories Ltd e da Les Laboratoires Servier SAS, invocado a título subsidiário a respeito da duração do período de infração e do cálculo do montante da coima pela infração a que se refere o artigo 5.° da Decisão C(2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo de aplicação dos artigos 101.° e 102.° [TFUE] [AT.39.612 — Perindopril (Servier)]

2)      É anulado o artigo 5.° da Decisão C(2014) 4955 final, na parte em que dispõe que a infração que declara teve o seu termo em 6 de maio de 2009 no que diz respeito à Bélgica, à República Checa, à Irlanda e à Hungria.

3)      É anulado o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da Decisão C(2014) 4955 final, na parte que fixa em 37 102 100 euros o montante da coima aplicada à Servier SAS e à Les Laboratoires Servier SAS, solidariamente responsáveis.

4)      Fixase em 34 745 100 euros o montante da coima aplicada à Servier SAS e à Les Laboratoires Servier SAS, solidariamente responsáveis, pela infração declarada no artigo 5.° da Decisão C(2014) 4955 final.

5)      É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

6)      A Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS suportarão as suas próprias despesas relativas tanto ao processo de primeira instância como ao presente recurso.

7)      A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas relativas tanto ao processo de primeira instância como ao presente recurso.

8)      A European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) suporta as suas próprias despesas relativas tanto ao processo de primeira instância como ao presente recurso.

9)      O Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.

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