Language of document : ECLI:EU:C:2024:562

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 27 de junho de 2024 (1)

Processo C726/22 P

Comissão Europeia

contra

Pollinis France

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso a documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Recusa de acesso — Documento de orientação sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas — Comitologia — Matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido — Processo decisório — Posição individual dos Estados‑Membros — Risco de prejudicar gravemente o processo decisório»






I.      Introdução

1.        A colaboração permeia todos os domínios da vida e das espécies, desde os seres humanos até aos humildes abelhões.

2.        Nesta perspetiva, a complexa dinâmica dos procedimentos de comitologia na União Europeia assemelha‑se muito à de uma colmeia. A Comissão Europeia (que pode ser comparada à abelha‑mestra para efeitos desta analogia) está incumbida do exercício de competências de execução para adotar novos atos de execução. Por seu lado, os comités de comitologia (as abelhas) desenvolvem um esforço coletivo para ajudar a «polinizar» o processo decisório. Embora esta sinergia ajude geralmente a Comissão a atingir o seu objetivo, os planos mais bem traçados (das abelhas e dos homens) nem sempre conduzem à conclusão pretendida (2).

3.        O presente processo baseia‑se nessas reflexões. Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão proferido pelo Tribunal Geral no processo Pollinis France/Comissão (3), no qual este anulou duas decisões da Comissão que recusaram à Pollinis France (4) o acesso a documentos relativos a um documento de orientação elaborado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas (a seguir «documento de orientação de 2013»). Mais concretamente, a Comissão contesta a conclusão do Tribunal Geral, no caso em apreço, de que os documentos solicitados pela Pollinis France diziam respeito a uma matéria em que a decisão tinha sido tomada, alegando que o processo decisório em causa ainda estava em curso quando essas decisões foram adotadas.

4.        Como tal, o presente recurso proporciona uma oportunidade de clarificar o alcance da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 relativo ao acesso do público a documentos (5).

II.    Quadro jurídico

A.      Regulamento n.° 1049/2001

5.        O artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 (sob a epígrafe «Exceções») tem a seguinte redação:

«O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.»

B.      O modelo de regulamento interno dos comités

6.        O artigo 9.° do Regulamento (UE) n.° 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (6), dispõe:

«1.      Cada comité adota o seu regulamento interno, por maioria simples dos membros que o compõem e sob proposta do seu presidente, com base no modelo de regulamento interno a elaborar pela Comissão após consulta dos Estados‑Membros. [...]

[...]

2.      Aplicam‑se aos comités os princípios e condições de acesso do público aos documentos e as normas relativas à proteção de dados aplicáveis à Comissão.»

7.        O artigo 10.°, n.° 2, do modelo de regulamento interno dos comités ‑ Regulamento Interno do Comité [nome do comité] (7) dispõe:

«[...] é lavrada uma ata sumária sob a responsabilidade do presidente, que descreva brevemente cada ponto da ordem de trabalhos e os resultados da votação dos projetos de atos de execução submetidos à apreciação do comité. As atas sumárias não mencionam a posição individual dos membros nos debates do comité.»

8.        O artigo 13.° do modelo de regulamento interno tem a seguinte redação:

«1.      Os pedidos de acesso aos documentos do comité devem ser apreciados em conformidade com o [Regulamento n.° 1049/2001] [...]

2.      Os debates do comité são confidenciais.

3.      Os documentos enviados aos membros do comité, aos peritos e aos representantes de terceiros são confidenciais, a menos que seja concedido acesso aos mesmos de acordo com o n.° 1 ou que sejam divulgados de outra forma pela Comissão.

[...]»

III. Antecedentes do litígio

9.        Os antecedentes do litígio são descritos em pormenor nos n.os 2 a 14 e 48 a 52 do acórdão recorrido. As circunstâncias pertinentes para as presentes conclusões podem ser resumidas da seguinte forma.

10.      Em 2013, a EFSA elaborou o documento de orientação de 2013. Posteriormente, a Comissão apresentou esse documento ao Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal (a seguir «SCoPAFF»), um comité de comitologia presidido pela Comissão, tendo em vista a sua adoção. No entanto, devido à falta de consenso entre os Estados‑Membros sobre o texto desse documento, este não foi adotado.

11.      Em 2018, a Comissão propôs a implementação de algumas partes do documento de orientação de 2013 mediante a introdução de alterações aos princípios uniformes estabelecidos no Regulamento (UE) n.° 546/2011 da Comissão (8). Nessa conformidade, submeteu ao parecer do SCoPAFF um projeto de regulamento de alteração do Regulamento n.° 546/2011, com vista à sua adoção. Embora o SCoPAFF tenha emitido um parecer positivo, a Comissão não pôde adotar esse ato porque o Parlamento Europeu opôs‑se à sua adoção em 2019.

12.      Em março de 2019, a Comissão solicitou à EFSA que revisse o documento de orientação de 2013, a fim de ter em conta a evolução científica desde 2013.

13.      Em 27 de janeiro de 2020, com base no Regulamento n.° 1049/2001 e no Regulamento (CE) n.° 1367/2006 (9), a Pollinis France apresentou à Comissão um pedido de acesso a determinados documentos relacionados com o documento de orientação de 2013. Com a Decisão C(2020) 4231 final da Comissão, de 19 de junho de 2020 (a seguir «primeira decisão impugnada»), a Comissão concedeu acesso parcial a um documento, mas recusou o acesso a todos os outros documentos referidos nesse pedido, invocando a exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

14.      Em 8 de abril de 2020, a Pollinis France apresentou um segundo pedido de acesso a determinados documentos relativos ao mesmo documento de orientação. Com a Decisão C(2020) 5120 final da Comissão, de 21 de julho de 2020 (a seguir «segunda decisão impugnada»), a Comissão concedeu acesso parcial a quatro documentos, mas recusou o acesso a todos os outros documentos referidos nesse pedido ao abrigo da mesma exceção prevista no Regulamento n.° 1049/2001.

15.      Nas decisões impugnadas, a Comissão indicou que, enquanto era aguardada a conclusão da revisão do documento de orientação de 2013 pela EFSA, o seu exame no SCoPAFF se encontrava «parado». Esclareceu, além disso, que o plano de adotar o documento de orientação de 2013 seria retomado quando a EFSA tivesse concluído a sua revisão.

IV.    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

16.      A Pollinis France interpôs recurso no Tribunal Geral ao abrigo do artigo 263.° TFUE, pedindo a anulação das decisões impugnadas. Na sua petição, invocou quatro fundamentos. Nos seus primeiro e segundo fundamentos, alegou a violação do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001. No seu terceiro fundamento, a Pollinis France invocou a violação do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1367/2006. No seu quarto fundamento, alegou a aplicação incorreta do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), e n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001.

17.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o primeiro fundamento da Pollinis France, considerando desnecessário examinar o segundo e terceiro fundamentos. O Tribunal Geral também examinou sucintamente o quarto fundamento, mas julgou‑o improcedente. Nessa base, o Tribunal Geral anulou as decisões impugnadas e condenou a Comissão nas despesas.

V.      Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

18.      No seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e condene a Pollinis France nas despesas.

19.      Por seu turno, a Pollinis France pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Comissão nas despesas.

20.      Em 26 de junho de 2023, a Comissão apresentou réplica e, em 27 de julho de 2023, a Pollinis France apresentou tréplica.

VI.    Apreciação

21.      A Comissão invoca dois fundamentos de recurso, alegando que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na interpretação e na aplicação do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, que estabelece uma das exceções ao direito de acesso dos cidadãos e residentes da União aos documentos das instituições da União (a seguir «exceção em causa»). Nos termos dessa disposição, «[o] acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno […], relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

22.      O primeiro fundamento, que tem por objeto os n.os 54 a 61 do acórdão recorrido, diz respeito a um alegado erro na interpretação do conceito de «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido». No segundo fundamento de recurso, que tem por objeto os n.os 85 a 138 do referido acórdão, alega‑se que o Tribunal Geral cometeu um erro ao analisar se a divulgação dos documentos solicitados poderia «prejudicar gravemente o processo decisório da instituição».

A.      Primeiro fundamento de recurso

1.      Argumentos das partes

23.      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar uma interpretação restritiva do conceito de «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido», na aceção do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, a matérias em vias de serem submetidas a deliberação, bem como a situações em que a instituição em causa é imediatamente chamada a adotar um projeto de ato identificável.

24.      Além disso, a Comissão afirma que o Tribunal Geral considerou erroneamente que o conteúdo definido do documento de orientação que estava a ser revisto pela EFSA e as formas da sua eventual adoção eram pertinentes para esse conceito, mas não apreciou a importância do objetivo prosseguido pela instituição em causa.

25.      Segundo a Comissão, o conceito de «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido» deve ser entendido no sentido de se referir ao exercício, por essa instituição, da sua competência e ao resultado pretendido da sua ação. Esta interpretação abrange, portanto, alterações do conteúdo ou da estratégia adotada para atingir o seu objetivo, incluindo alterações do procedimento de adoção. A este respeito, a decisão de solicitar à EFSA que procedesse à revisão do documento de orientação de 2013 manifesta o seu objetivo de implementar um documento de orientação sobre as abelhas e representa o exercício da sua autoridade nesta matéria.

26.      A Comissão alega, por conseguinte, que esta ação constituía uma fase do mesmo processo decisório, ainda em curso, que visava a finalização de um texto sobre o qual o SCoPAFF pudesse chegar a acordo no âmbito do procedimento de comitologia para efeitos da adoção do referido documento. Tal demonstra que, no momento em que as decisões impugnadas foram adotadas, existia uma «matéria sobre a qual a instituição não [tinha] decidido». Consequentemente, a Comissão considera que as conclusões do Tribunal Geral são juridicamente incorretas e contraditórias.

27.      Por seu turno, a Pollinis France defende o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral e as conclusões deste. Alega que a interpretação do referido conceito por esse tribunal, bem como o seu entendimento do termo «processo decisório», estão corretos, tendo em conta a obrigação de interpretar de forma restritiva a exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

2.      Análise

28.      O ponto fulcral do primeiro fundamento de recurso diz respeito à interpretação dada pelo Tribunal Geral às expressões «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido» e «processo decisório».

a)      «Matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido»

29.      O artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 não define o termo «matéria». Tão‑pouco está esse termo expressamente definido no artigo 3.° do mesmo regulamento, que contém as definições. No entanto, tendo em conta o sentido corrente deste termo e os termos correspondentes utilizados nas diferentes versões linguísticas desse regulamento (10), conclui‑se que o termo «matéria» designa um assunto, questão ou situação que está a ser analisada por uma instituição da União.

30.      O termo «matéria» constante do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 traduz uma certa especificidade que poderá não ser imediatamente evidente aquando da leitura da versão inglesa desse regulamento. Com efeito, nessa versão linguística, o termo «matter» é igualmente utilizado no artigo 3.° que, para efeitos do regulamento, define «documento» como «qualquer conteúdo, seja qual for o seu suporte [...] sobre assuntos relativos às políticas, ações e decisões da competência da instituição em causa» (na versão inglesa: «any content whatever its medium [...] concerning a matter relating to the policies, activities and decisions falling within the institution’s sphere of responsibility») (11). Porém, a grande maioria das versões linguísticas do regulamento utilizam dois termos diferentes nos artigos 3.° e 4.° do mesmo regulamento: enquanto o primeiro utiliza um termo com um sentido ligeiramente mais lato (como tópico, assunto ou tema) (12), o segundo utiliza um termo com um âmbito mais restrito e uma conotação mais específica (13).

31.      Por conseguinte, não me convence a afirmação da Comissão, subjacente a muitos dos seus argumentos, de que o termo «matéria», na aceção do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, deve ser objeto de uma interpretação lata.

32.      A este respeito, acrescentaria também que, como resulta dos considerandos 1 a 4 do Regulamento n.° 1049/2001, este instrumento consagra o princípio da abertura no que respeita ao trabalho das instituições da União (14) e visa conceder ao público o direito de acesso mais amplo possível aos documentos na posse das instituições da União (15). Por esta razão, os limites impostos a este direito devem ser interpretados e aplicados de forma estrita (16). Daqui decorre que tal como o Tribunal Geral afirmou em substância, nos n.os 35 a 38 do acórdão recorrido os termos utilizados no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 devem ser objeto de uma interpretação restritiva.

33.      Além disso, no seu Acórdão Saint‑Gobain, o Tribunal de Justiça rejeitou o entendimento da Comissão de que o termo «matéria» podia ser interpretado em sentido lato, de modo a conferir confidencialidade não só aos documentos elaborados no âmbito de um processo decisório mas também aos «diretamente relacionados com as matérias tratadas nesse processo» (17). Resulta igualmente desse acórdão que, para compreender corretamente o significado do termo «matéria», é útil interpretá‑lo no seu devido contexto e à luz do objetivo prosseguido pela disposição em causa (18).

34.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, para que a exceção seja aplicável, não basta que a matéria esteja em fase de apreciação por qualquer motivo ou para qualquer finalidade (19). Com efeito, essa disposição refere‑se expressamente a matérias analisadas no contexto de uma série de ações interligadas («o processo decisório da instituição»), realizadas com o objetivo de chegar a uma resolução definitiva a esse respeito (a tomada de uma «decisão»).

35.      A relação indissociável entre os termos «matéria», «processo decisório» e «decisão» é de extrema importância para identificar o alcance da exceção em causa. Com efeito, reflete o objetivo global dessa exceção: preservar a eficácia do processo decisório das instituições e, desse modo, a sua capacidade para desempenharem as suas funções (20).

36.      Por essa razão, debruçar‑me‑ei agora sobre o significado dos termos «processo decisório» e «decisão» para efeitos do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

b)      «Processo decisório» e «decisão»

37.      Importa começar por salientar que essas duas expressões devem ser entendidas num sentido geral e não técnico. A expressão «processo decisório da instituição» abrange todos os procedimentos formais e informais através dos quais uma instituição chega a uma decisão sobre uma determinada matéria. Do mesmo modo, uma «decisão» na aceção do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 não se limita a «decisões» na aceção do artigo 288.° TFUE, englobando também qualquer resolução de adotar uma determinada forma de ação.

38.      Porém, tal não altera o facto de que estas expressões também não podem ser interpretadas de forma demasiado ampla, como preconiza a Comissão.

39.      A este respeito, salientaria que o estado de um determinado processo decisório (em curso ou encerrado) está logicamente dependente do facto de a atividade em causa estar ainda em curso ou de a instituição da União ter adotado uma resolução específica relativamente a uma determinada «matéria». Neste contexto, há duas questões que se afiguram imediatamente pertinentes. Em primeiro lugar, o que faz legitimamente parte de um «processo decisório»? Em segundo lugar, o que constitui uma situação em que foi ou em que não foi tomada uma «decisão», determinando assim se o processo decisório terminou?

40.      No que diz respeito à primeira questão, os tribunais da União esclareceram que os trabalhos preparatórios independentemente do caráter preliminar das informações preparadas em documentos institucionais ou da natureza preliminar dos debates que visam um consenso podem fazer parte de um determinado processo decisório (21). De facto, o artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 não faz qualquer distinção consoante a fase em que se encontra a atividade em causa (22).

41.      Por outro lado, os tribunais da União também alertaram para o facto de que o termo «processo decisório» não deve ser interpretado de forma demasiado ampla de modo que abranja todo um procedimento administrativo ou todos os documentos relacionados com uma determinada matéria. Pelo contrário, consideraram que um processo decisório deve ser entendido no sentido de que diz respeito à atividade de «tomada de decisão»(23), na qual a instituição em causa dispõe de uma margem de manobra para, nomeadamente, refletir a fim de decidir sobre as escolhas a efetuar e, consoante o tipo de processo, sobre as propostas que deve eventualmente apresentar (24).

42.      Por conseguinte, embora a fase em que a tomada de decisão ocorre no quadro do processo específico em causa não seja aparentemente um fator decisivo, o caráter substantivo da própria tomada de decisão afigura‑se sê‑lo. Assim sendo, nem tudo o que está associado à tomada de uma «decisão» poderá estar abrangido pelo conceito de «processo decisório». O que é importante é a existência de uma verdadeira atividade «decisória», no contexto da qual os documentos em questão foram elaborados ou recebidos.

43.      É certo que o que constitui uma atividade decisória tem de ser determinado caso a caso, tendo em conta o contexto e as etapas processuais envolvidas. A verdade é que não é possível estabelecer uma regra universal que seja aplicável a todo e qualquer processo decisório, a todos os níveis, e que abranja toda e qualquer intervenção ou atividade.

44.      Contudo, a existência de tal margem de manobra sublinha intrinsecamente o facto de que devem estar a decorrer debates, avaliações ou outras atividades para permitir que a instituição em causa chegue a um ponto que possibilite a tomada de uma decisão (25). Sem estas atividades orientadas para os resultados, um processo decisório dificilmente poderia ser considerado como tal, no verdadeiro sentido do termo.

45.      Ao mesmo tempo, tal atividade decisória pressupõe uma matéria concreta que possua um conteúdo identificável e uma indicação das modalidades através das quais a decisão correspondente poderá ser tomada. Caso contrário, qual será a base para a «tomada de decisão» e em relação a quê exatamente deve ser tomada uma «decisão»? Seria como tentar resolver um problema sem primeiro saber qual é esse problema.

46.      Por conseguinte, a meu ver, para identificar uma verdadeira tomada de decisão, as atividades conexas devem dizer respeito a uma matéria concreta e demonstrar um esforço para atingir o objetivo do processo em causa.

47.      Evidentemente, tal não significa que o teor da matéria em causa, ou a modalidade e o calendário da adoção da respetiva decisão, não podem sofrer alterações ao longo do processo decisório. Como acabei de referir, a instituição em causa deve dispor de margem de manobra no âmbito de um processo decisório para alterar a essência da medida inicialmente prevista, alterar o processo ou o calendário da sua adoção ou realizar outras ações que considere necessárias, por sua própria iniciativa ou em resposta às ações das outras instituições e organismos envolvidos no processo. Aliás, essa flexibilidade é muitas vezes vital para gerar um consenso, sobretudo quando estão envolvidos comités de comitologia, e é essencial para atingir a fase em que pode ser tomada uma decisão final.

48.      No entanto, a margem de manobra da instituição não pode alterar fundamentalmente a natureza da matéria em causa. Com efeito, a matéria original, mesmo que tenha sido debatida e revista em diferentes fases de um determinado processo, deve apresentar, desde o início e ao longo de todo o processo, um elemento central que sirva de base à tomada de decisão. Por outras palavras, tem de existir uma relação razoável de proximidade não só em termos de conteúdo mas eventualmente também da modalidade de adoção e do objetivo prosseguido entre a matéria inicialmente prevista e aquela que é posteriormente objeto de apreciação pelas instituições e organismos da União envolvidos.

49.      A este respeito, qualquer atividade que constitua um desvio significativo em relação à matéria inicial poderá ser encarada como um sinal de que um processo decisório foi encerrado e que se iniciou um novo processo.

50.      Isto leva‑me à segunda questão, que está ligada à primeira: quando é que um processo decisório termina em resultado de ter sido tomada uma decisão sobre a matéria em causa?

51.      São vários os acórdãos proferidos pelos tribunais da União que se afiguram pertinentes para responder a esta pergunta. Em primeiro lugar, os Acórdãos Toland/Parlamento (26) e PAN Europe/Comissão (27) do Tribunal Geral esclarecem que só é tomada uma «decisão» quando a matéria específica sobre a qual incide o processo decisório muitas vezes na forma de um ato ou de uma medida é objeto de uma resolução definitiva, em vez de continuar a fazer parte de debates, avaliações, revisões ou outras formas de atividade que são componentes do processo.

52.      Além disso, os processos decisórios que existem em certos contextos processuais ajudam a identificar a fase em que foi tomada uma «decisão» e em que foi considerado encerrado o correspondente processo. Um bom exemplo é o processo decisório da Comissão no contexto da proposta de iniciativas legislativas.

53.      A Comissão goza do poder de iniciativa legislativa, o que significa que decide se deve ou não apresentar uma proposta legislativa, exceto quando esteja obrigada a fazê‑lo por força do direito da União. Durante a preparação de uma proposta legislativa, a Comissão pode realizar uma série de atividades.

54.      Nesse contexto, o Tribunal de Justiça observou que atividades como a elaboração de relatórios de avaliação de impacto fazem parte do processo decisório da Comissão, que se desenrola a montante do processo legislativo stricto sensu (28). Com efeito, tais ações, que visam gerar consenso, de modo que se finalize uma proposta oficial, constituem precisamente o elemento «decisório» desse processo. Uma vez aprovada a proposta, a Comissão pode decidir apresentá‑la ao legislador da União, pondo assim termo à fase de iniciativa e dando início à fase legislativa. É, portanto, nesta fase que se poderá considerar que «a decisão» foi tomada, encerrando efetivamente o processo decisório relativo a uma determinada iniciativa legislativa (29).

55.      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça observou que a decisão da Comissão de abandonar uma iniciativa legislativa põe definitivamente termo à ação legislativa prevista, que só pode ser retomada se essa instituição alterar essa decisão. Consequentemente, a decisão de não apresentar uma proposta também marca claramente um momento decisivo significa que foi tomada uma decisão negativa, que, assim, também encerra o processo decisório (30).

56.      A este respeito, a transição da construção da decisão para a tomada da decisão é assinalada pelo momento em que a Comissão toma a decisão de apresentar a sua proposta legislativa ao legislador da União ou decide retirar totalmente uma iniciativa legislativa (31).

57.      A meu ver, as conclusões acima expostas são particularmente pertinentes no contexto do exercício, pela Comissão, das suas competências de execução, em relação às quais as regras processuais aplicáveis exigem geralmente que a Comissão proceda a consultas com um comité de comitologia. Tais ações poderão muitas vezes implicar a revisão de projetos de textos com o objetivo de obter um parecer favorável desse comité. Também neste caso, essas mesmas ações são realizadas com vista a assegurar a adoção de uma medida e constituem o elemento «decisório» do processo em causa.

58.      Por conseguinte, seria razoável concluir que o processo decisório da Comissão termina quando esta toma uma posição definitiva, num ou noutro sentido, sobre a matéria específica em causa, adotando a medida prevista (tal como inicialmente proposta ou posteriormente alterada) ou abandonando‑a. Uma vez feita uma escolha definitiva relativamente a uma determinada matéria, o facto de, no futuro, poderem ser iniciados procedimentos administrativos semelhantes em que os documentos em questão poderão ser reutilizados não impede que o processo decisório em relação a esses documentos esteja encerrado (32).

59.      Tendo em conta as considerações precedentes, examinarei agora os argumentos aduzidos pela Comissão para determinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

c)      A apreciação do Tribunal Geral no acórdão recorrido

60.      A apreciação do Tribunal Geral quanto ao encerramento ou não encerramento do processo decisório em causa centrou‑se na questão de saber se, à data em que as decisões impugnadas foram adotadas, ainda estava em curso alguma atividade decisória relativa à adoção do documento de orientação de 2013 ou se a decisão quanto à sua adoção (ou não adoção) já tinha sido tomada.

61.      Dedicando especial atenção aos debates em torno do documento de orientação de 2013 que tiveram lugar no seio do SCoPAFF, bem como à tentativa subsequente da Comissão de implementar partes desse documento através da introdução de alterações aos princípios uniformes do Regulamento n.° 546/2011, o Tribunal Geral determinou que o processo decisório relativo a esse documento de orientação podia ser considerado em curso entre 2013 e 2019.

62.      No entanto, o acórdão recorrido, nomeadamente nos seus n.os 53 a 57, refere que a revisão desse documento pela EFSA não fazia parte do mesmo processo decisório. O Tribunal Geral observou que qualquer exame no seio do SCoPAFF tinha parado, e centrou‑se no facto de tanto o conteúdo do documento sujeito a revisão como a modalidade da sua eventual adoção, incluindo o procedimento aplicável, serem altamente incertos. Dado que a revisão se encontrava numa fase preparatória, não refletia um verdadeiro processo decisório, mas antes a preparação de um processo futuro.

63.      Neste contexto, o Tribunal Geral não só afirmou que, no seu entender, o processo decisório relativo ao documento de orientação de 2013 tinha terminado, mas, mais importante, que a Comissão já não tinha por objetivo implementar esse documento de orientação e, quando pediu à EFSA que revisse o seu conteúdo, tinha tomado a decisão implícita de não o implementar. Por esse motivo, considerou que o processo decisório já não estava em curso, uma vez que «a decisão» tinha sido tomada.

64.      A Comissão discorda dessa apreciação. Contudo, considero que os seus argumentos não são convincentes.

65.      Primeiro, pelas razões expostas no n.° 32, supra, considero infundadas as críticas gerais da Comissão respeitantes à interpretação restritiva, pelo Tribunal Geral, dos termos utilizados no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. A abordagem do Tribunal Geral está também em conformidade com o princípio de interpretação consolidado, segundo o qual as exceções e as derrogações à economia geral ou às regras gerais de um instrumento jurídico devem ser interpretadas de forma estrita (33).

66.      Segundo, não subscrevo o argumento de que o Tribunal Geral restringiu o conceito de «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido» a matérias em vias de serem submetidas a deliberação e a situações em que a instituição em causa é imediatamente chamada a adotar um projeto de ato identificável.

67.      Nada nos n.os 54 a 61 do acórdão recorrido sugere que a ausência de uma deliberação iminente sobre um determinado projeto de medida exclui a existência de verdadeiras atividades decisórias. Em especial, no n.° 56 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu claramente que um processo decisório se pode prolongar no tempo e que, durante esse período, uma instituição poderá estar a envidar esforços para gerar um consenso, mas ainda estar relativamente longe de finalizar o que acabará por ser o ato ou a medida definitiva.

68.      Estas passagens do acórdão recorrido limitam‑se a reafirmar o princípio de que um processo decisório carece de uma matéria específica sobre a qual incidam as atividades decisórias em curso. O final do n.° 56 do acórdão recorrido é particularmente elucidativo a este respeito. Aí, o Tribunal Geral sustentou que a considerável incerteza quanto ao eventual conteúdo da medida revista e à forma e momento da sua adoção implicava «a própria falta de objeto de um processo decisório da Comissão no momento da adoção das decisões impugnadas» (34).

69.      Terceiro, não perfilho o entendimento da Comissão de que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral chegou às suas conclusões sobre a «matéria» e o correspondente «processo decisório» com base em critérios incorretos.

70.      Tal como referido no n.° 45, supra, a existência de um processo decisório pressupõe que o conteúdo da decisão a adotar e as possíveis modalidades da sua adoção sejam minimamente identificáveis. A ausência de alguns elementos essenciais do processo decisório é, a meu ver, particularmente problemática nos casos em que tenham sido propostas para adoção medidas muito específicas mas, não obstante terem sido realizadas várias tentativas nesse sentido por longo período, a sua adoção acabou por ser abandonada.

71.      Tendo em conta o que precede, ao contrário da Comissão, entendo que o Tribunal Geral considerou corretamente que o eventual conteúdo e forma da medida ou medidas propostas para adoção são elementos pertinentes para demonstrar a presença, no caso em apreço, de uma «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido».

72.      Além disso, não concordo com a afirmação de que o Tribunal Geral não apreciou a importância do objetivo prosseguido pela instituição em causa. O n.° 57 do acórdão recorrido não exclui a pertinência de tal elemento, mas apenas o seu caráter decisivo (35).

73.      É certo que o objetivo de um processo específico a sua raison d’être, por assim dizer pode ser um indicador fiável do seu status quo: quando o objetivo tiver sido atingido, é provável que o processo seja encerrado. Caso contrário, o processo estaria eventualmente ainda em curso. No entanto, esta abordagem de bom senso tem os seus limites lógicos. Com efeito, não tem em conta o facto de que um processo decisório também pode ser encerrado mesmo que o seu objetivo não tenha sido alcançado, como acontece nos casos em que uma determinada matéria é abandonada e não lhe é dado qualquer seguimento. Como foi referido na introdução, alguns planos simplesmente correm mal, podendo então ser substituídos por novos planos ou, consoante os casos, não ser de todo substituídos.

74.      Por maioria de razão, o mesmo é válido para matérias relativamente às quais podem, mas não necessariamente, ser adotadas certas medidas. De facto, é precisamente esse o caso dos documentos de orientação a que se refere o artigo 77.° do Regulamento n.° 1107/2009. Esta disposição estabelece: «[a] Comissão pode, pelo procedimento consultivo [...], aprovar ou alterar documentos técnicos e outros documentos de orientação [...] para efeitos de aplicação do presente regulamento. A Comissão pode solicitar à [EFSA] que prepare esses documentos de orientação ou que para eles contribua» (36).

75.      A este respeito, longe de não ter tomado em consideração o objetivo prosseguido pela Comissão, o Tribunal Geral chegou àquela conclusão distinguindo entre o objetivo geral dessa instituição de adotar um documento de orientação sobre as abelhas e o objetivo mais específico de adotar ou implementar (no todo ou em parte) o documento de orientação de 2013 que tinha sido apresentado ao SCoPAFF.

76.      Verifica‑se que esta abordagem está em conformidade com a definição dada pelo Tribunal Geral ao termo «matéria» no caso em apreço, que, pelas razões acima expostas, considero razoável.

77.      Em quarto e último lugar, não deteto mais nenhum erro de direito no que respeita à interpretação ou aplicação do conceito de «matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido» pelo Tribunal Geral.

78.      Antes de mais, devo referir que considero o critério proposto pela Comissão para definir este conceito a saber, o exercício efetivo pela instituição da sua competência e o correspondente objetivo da sua ação demasiado amplo e demasiado vago.

79.      Tomemos como exemplo o presente caso. Se a Comissão estivesse correta, enquanto não fosse adotado um documento de orientação (na realidade, qualquer documento de orientação) sobre as abelhas ao abrigo do artigo 77.° do Regulamento n.° 1107/2009, o processo decisório seria considerado em curso. Tal significaria que existe apenas um único processo decisório, independentemente do tempo decorrido, do número e da natureza das diligências processuais realizadas, dos períodos em que poderá não haver nenhuma atividade e, sobretudo, do próprio conteúdo dos dois documentos.

80.      Dada a sua importância, debruçar‑me‑ei sucintamente sobre este último elemento (o conteúdo da medida prevista). No meu entender, é evidente que dois documentos de orientação sobre o mesmo tema podem ser bastante diferentes em termos de conteúdo. Com efeito, um documento de orientação deve refletir o quadro regulamentar mais recente e basear‑se em conhecimentos científicos e técnicos atuais (37). Dado o longo período decorrido até ao momento em que as decisões impugnadas foram adotadas e o facto de o método de preparação do documento revisto ser diferente(38), afigura‑se razoável presumir que o documento cuja revisão foi solicitada à ESFA em 2019 poderá ser diferente (possivelmente, muito diferente) daquele que a mesma autoridade tinha elaborado em 2013.

81.      Deve este elemento ser considerado, por uma questão de princípio, irrelevante para efeitos da presente análise jurídica?

82.      Creio que não. A própria Comissão reconhece na sua réplica que o «conteúdo de uma proposta constitui geralmente o ponto central do debate». Com efeito, entendo que é extremamente artificial considerar que um determinado processo decisório pode continuar a ser o mesmo processo, ainda que o seu objeto, procedimento e calendário sejam profundamente alterados, especialmente nos casos em que, como já afirmei, uma instituição decide abandonar uma proposta e recomeçar do início.

83.      Tendo em conta o que precede, a questão fundamental neste contexto é a seguinte: qual era a matéria (entendida como a questão, tema ou situação concreta) que a Comissão estava a analisar e sobre a qual pretendia tomar uma «decisão», encerrando assim o «processo decisório» propriamente dito?

84.      O Tribunal Geral, com base nas «circunstâncias específicas dos presentes processos» (39), concluiu que o objeto dos debates e das negociações que tiveram lugar ao longo de todo o período de 2013 a 2019 era a adoção ou a implementação parcial do documento de orientação de 2013. Com efeito, com base nas informações fornecidas, ou pelo menos não contestadas, pela Comissão, o Tribunal Geral concluiu que, após um processo particularmente moroso: i) o exame da medida proposta para adoção no seio do SCoPAFF encontrava‑se (definitivamente) «parado»; ii) a implementação parcial dessa medida através da adoção de uma medida alternativa também tinha fracassado; iii) estava a ser preparada uma nova medida; e iv) nessa fase, qualquer consideração sobre o eventual conteúdo, natureza, forma de adoção e procedimento que poderia ser seguido para esse efeito era «hipotética».

85.      Estou disposto a aceitar que, como sublinha a Comissão, a mera «revisão» de um documento apresentado para adoção constitui, em regra, uma etapa suplementar do mesmo processo decisório. No entanto, não se pode excluir que, em algumas circunstâncias pouco usuais, uma atividade apelidada de «revisão» possa ir muito mais além de uma simples adaptação, melhoria ou atualização do documento original.

86.      Segundo o Tribunal Geral, foi o que aconteceu no presente caso, tendo em conta as «circunstâncias específicas» acima referidas. Nesse contexto, não considero que as conclusões do Tribunal Geral quanto ao que constituía, de facto, a «matéria», o «processo decisório» e a «decisão» no caso em apreço estejam viciadas por um erro de direito. Em especial, visto que o Tribunal Geral i) não cometeu um erro na interpretação dos conceitos em causa, ii) teve em conta elementos de direito e de facto que são, em princípio, pertinentes para a apreciação, e iii) realizou uma apreciação global desses elementos que se afigura plausível, questiono se é oportuno que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação exaustiva a este respeito no presente recurso.

87.      Tal equivaleria a uma forma de controlo mais orientada para os factos, que se afasta do papel de verificação da correta interpretação e de qualificação jurídica dos factos que incumbe tradicionalmente ao Tribunal de Justiça. Por exemplo, o Tribunal de Justiça teria de examinar, entre outras, as seguintes questões: a Comissão abandonou, implícita mas necessariamente, de forma definitiva, a eventual adoção do documento tal como inicialmente previsto? É provável que o documento revisto tenha uma relação de proximidade suficiente com o documento inicialmente proposto para adoção?

88.      Por todos os motivos acima expostos, concluo que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

89.      Se o Tribunal de Justiça concordar com a minha apreciação, não será necessário examinar o segundo fundamento para negar provimento ao recurso da Comissão, uma vez que esse fundamento será inoperante. Com efeito, se os documentos em questão não disserem respeito a um processo decisório em curso, a exceção em causa não será de todo aplicável. Consequentemente, a questão de saber se o Tribunal Geral interpretou incorretamente o conceito de «prejudicar gravemente o processo decisório da instituição», como a Comissão alega no seu segundo fundamento de recurso, será irrelevante e não poderá levar à anulação do acórdão recorrido. Porém, na eventualidade de o Tribunal de Justiça discordar da minha apreciação quanto ao primeiro fundamento de recurso, explicarei brevemente por que razão entendo que o segundo fundamento de recurso também deve ser julgado improcedente.

B.      Segundo fundamento de recurso

90.      Com o seu segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na apreciação da possibilidade de a divulgação dos documentos solicitados prejudicar gravemente o processo decisório dessa instituição, na aceção do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

91.      Esse fundamento recurso divide‑se em duas partes. A segunda parte é composta por três alegações.

1.      Primeira parte

92.      A primeira parte do segundo fundamento de recurso suscita uma questão de interpretação das decisões impugnadas.

93.      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao substituir a fundamentação desta instituição exposta nas decisões impugnadas pela sua própria interpretação. Segundo a Comissão, o Tribunal Geral considerou incorretamente que esta instituição tinha recusado o acesso aos documentos solicitados unicamente com base no modelo de regulamento interno e que não tinha invocado o Regulamento n.° 1049/2001. No seu entender, essa conclusão equivale a uma distorção dos factos, uma vez que altera significativamente os argumentos apresentados nas decisões impugnadas e conduz a uma fundamentação contraditória no acórdão recorrido.

94.      Tal como a Pollinis France, também eu considero que a argumentação da Comissão revela uma má compreensão do acórdão recorrido.

95.      Em várias ocasiões, nomeadamente nos n.os 62 e 63 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deixou bem claro que, nas decisões impugnadas, a Comissão se tinha baseado na exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Por sua vez, os n.os 85 a 90 do acórdão recorrido dizem respeito à forma como a Comissão invocou a necessidade de proteger a confidencialidade da posição individual dos Estados‑Membros, por referência às disposições do modelo de regulamento interno, sem, no entanto, estabelecer uma ligação clara entre essas disposições e as previstas no Regulamento n.° 1049/2001.

96.      Nesse contexto, o n.° 90 do acórdão recorrido, que dispõe, nomeadamente, que «[a] Comissão não se baseou [...] nas disposições do Regulamento n.° 1049/2001», deve ser entendido no sentido de se referir aos números anteriores, nos quais o Tribunal Geral clarificou o raciocínio da Comissão nas decisões impugnadas. Não deve ser incorretamente interpretado no sentido de afirmar que a Comissão não se baseou, de todo, no Regulamento n.° 1049/2001.

97.      Com efeito, no n.° 107 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu a sua apreciação sobre a questão de saber se o modelo de regulamento interno permite recusar o acesso a documentos que fazem referência à posição individual dos Estados‑Membros em conformidade com o Regulamento n.° 1049/2001. Essa conclusão não se baseia na não invocação de disposições do referido regulamento por parte da Comissão, mas sim na leitura conjugada dos dois conjuntos de regras.

98.      Por conseguinte, não vislumbro nenhuma substituição de raciocínio, nem deteto nenhumas contradições a esse respeito. A primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

2.      Segunda parte, primeira alegação

99.      No seu recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar, nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido, que o modelo de regulamento interno não se aplicava ao SCoPAFF porque este não tinha adotado formalmente o seu próprio regulamento interno.

100. A meu ver, este argumento é inoperante. O facto de o modelo de regulamento interno ser ou não aplicável ao procedimento realizado no âmbito do SCoPAFF não tem relevância.

101. Como o Tribunal Geral corretamente sustentou seguindo um raciocínio semelhante ao desenvolvido pela Provedora de Justiça Europeia na sua decisão de 3 de dezembro de 2019 em resposta à queixa apresentada pela Pollinis France (40) , o modelo de regulamento interno não pode ser interpretado no sentido de conceder aos documentos uma proteção que vai além do que está previsto no Regulamento n.° 1049/2001 (41).

3.      Segunda parte, segunda alegação

102. Em primeiro lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por ter rejeitado a pertinência das regras de comitologia à luz do Regulamento n.° 1049/2001. Afirma que as regras de comitologia são pertinentes para avaliar o risco que a divulgação de um documento pode representar para efeitos do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Por essa razão, o Tribunal Geral não se podia afastar da jurisprudência existente que sublinha a aplicabilidade deste quadro jurídico, nem ignorar o facto de que as regras de confidencialidade estabelecidas no modelo de regulamento interno refletem a importância atribuída à confidencialidade das informações no seio de comités como o SCoPAFF (42).

103. Em segundo lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por ter interpretado incorretamente as regras de comitologia por ela invocadas nas decisões impugnadas. Mais concretamente, alega que, na sua apreciação nos n.os 101 a 107 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não reconheceu que as posições individuais dos Estados‑Membros nos procedimentos de comitologia, bem como as informações trocadas no seio dos comités, são consideradas sensíveis ao abrigo das referidas regras. A este respeito, a Comissão sublinha que a importância dada por essas regras à confidencialidade não deve ser limitada por uma interpretação restritiva do termo «debates do comité» constante do artigo 10.°, n.° 2, e do artigo 13.°, n.° 2, do modelo de regulamento interno. Segundo a Comissão, o artigo 13.°, n.° 3, desse modelo confirma este ponto, uma vez que indica que os documentos enviados aos membros de um determinado comité no decurso de um procedimento são confidenciais.

104. Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar incorretamente a base do raciocínio da Comissão nas decisões impugnadas relativamente ao princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.° TUE.

105. A Pollinis France contesta todas essas alegações.

106. Os argumentos da Comissão não me convencem.

107. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não ignorou a pertinência das regras de comitologia para efeitos do Regulamento n.° 1049/2001. Pelo contrário, nos n.os 100 a 105 do acórdão recorrido, examinou expressamente as disposições do modelo de regulamento interno invocadas pela Comissão nas decisões impugnadas para determinar a sua natureza e a sua pertinência para o acesso a documentos ao abrigo do referido regulamento. Com base nesse exame, concluiu que as referidas disposições não estavam relacionadas com o acesso do público aos documentos dos comités e, por si só, não exigiam que esse acesso fosse recusado ao abrigo do artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Por conseguinte, teve em consideração o quadro jurídico aplicável aos procedimentos de comitologia e fundamentou a sua decisão.

108. Em segundo lugar, o Tribunal Geral não interpretou incorretamente as disposições do modelo de regulamento interno invocadas pela Comissão nas decisões impugnadas. Na verdade, verifica‑se que os argumentos aduzidos pela Comissão sugerem que certos documentos, como os relativos às posições individuais dos Estados‑Membros expressas durante os trabalhos do comité, referidas no artigo 10.°, n.° 2, do modelo de regulamento interno, devem beneficiar essencialmente de uma presunção geral de não divulgação em virtude da confidencialidade referida nas disposições mencionadas.

109. A este respeito, há que recordar que, se uma instituição da União decidir recusar o acesso a um documento com base numa das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, como acontece no presente caso, deve explicar de que modo o acesso a esse documento poderá prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por essa exceção. Além disso, o risco de o interesse ser prejudicado deve ser razoavelmente previsível e não pode ser puramente hipotético (43). Porém, em certos casos, as instituições da União invocaram legitimamente uma presunção geral de não divulgação para recusar esse acesso (44).

110. Não obstante, o reconhecimento de uma presunção geral aplicável a uma categoria de documentos pressupõe que tenha sido previamente demonstrado que é razoavelmente previsível que a divulgação do tipo de documento abrangido por essa categoria seja, de facto, suscetível de prejudicar o interesse protegido pela exceção em causa. Além disso, uma vez que as presunções gerais constituem uma exceção à obrigação de exame concreto e individual, por parte da instituição da União em causa, de cada documento visado pelo pedido de acesso e, além disso, ao princípio do acesso o mais amplo possível do público aos documentos na posse das instituições da União, as presunções gerais devem ser objeto de uma interpretação e de uma aplicação estritas (45).

111. Consequentemente, as posições individuais dos Estados‑Membros nos procedimentos de comitologia não estão abrangidas pelas categorias de documentos que beneficiam de presunções gerais de confidencialidade. De facto, como o Tribunal Geral salientou nos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido, o artigo 13.° do modelo de regulamento interno, quando considerado no seu conjunto, estabelece que os pedidos de acesso aos documentos do comité devem ser apreciados em conformidade com o Regulamento n.° 1049/2001 e que a natureza dos debates do comité ou os documentos enviados, nomeadamente, aos membros do comité, permanecem confidenciais, a menos que a Comissão conceda acesso a esses documentos. Este entendimento é ainda corroborado pela redação do artigo 9.° do Regulamento n.° 182/2011, que, depois de enunciar os princípios segundo os quais os comités adotam os seus regulamentos internos, acrescenta que «[se aplicam] aos comités os princípios e condições de acesso do público aos documentos [...] aplicáveis à Comissão.»

112. Considero, por conseguinte, que o Tribunal Geral estava no seu direito de concluir que as disposições do modelo de regulamento interno invocadas pela Comissão nas decisões impugnadas não excluíam os documentos solicitados do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1049/2001. Por essa razão, a Comissão estava obrigada a explicar de que modo a divulgação dos documentos solicitados teria prejudicado o interesse protegido pela exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do referido regulamento. A conclusão seria a mesma ainda que o conceito de «debates do comité» do artigo 13.°, n.° 2, do modelo de regulamento interno fosse interpretado de forma ampla, de modo que abranja outras fases de um procedimento de comitologia para lá da fase final durante a qual têm lugar os debates.

113. Em terceiro lugar, resulta dos n.os 111 a 113 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não ignorou o facto de que a referência à cooperação e à confiança mútua nas decisões impugnadas dizia respeito aos Estados‑Membros e à Comissão. Pelo contrário, considerou expressamente este aspeto na sua apreciação. Em todo o caso, as observações formuladas nesses números baseiam‑se no facto de a Comissão não ter fornecido explicações suscetíveis de demonstrar de que forma a divulgação dos documentos solicitados prejudicaria os referidos princípios. As conclusões do Tribunal Geral não se baseiam numa interpretação incorreta do princípio da cooperação leal (46).

114. Pelo exposto, a segunda alegação da segunda parte deve ser julgada improcedente por infundada.

4.      Segunda parte, terceira alegação

115. A Comissão alega igualmente que o Tribunal Geral, na sua apreciação, examinou isoladamente os diferentes fundamentos que esta instituição tinha invocado nas decisões impugnadas. Essa separação era artificial e conduzia a uma distorção dos seus argumentos. Em especial, o facto de a apreciação ter sido dividida em três partes distintas obstou a que argumentos inter‑relacionados subjacentes às alegações da Comissão sobre os riscos da divulgação fossem devidamente analisados.

116. A Comissão sustenta igualmente que o Tribunal Geral cometeu um erro ao distinguir entre as pressões externas exercidas sobre a Comissão e as exercidas sobre os Estados‑Membros. Essa distinção, segundo a Comissão, é incorreta porque não reconhece que ambos participam num único processo decisório no quadro dos procedimentos de comitologia. Da mesma forma, o Tribunal Geral não teve em conta o facto de o termo «comités permanentes» utilizado nas decisões impugnadas incluir o SCoPAFF. Por conseguinte, errou ao concluir que a referência a pressões externas na decisão impugnada não dizia respeito ao processo decisório no seio do SCoPAFF.

117. Por último, a Comissão alega que, nos n.os 119 e 130 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou um nível de prova incorreto segundo o qual a Comissão estava obrigada a demonstrar nas decisões impugnadas, por um lado, que o facto de o processo decisório não ter alcançado o seu objetivo se devia a pressões externas e, por outro, que a recusa de acesso aos documentos solicitados teria permitido que o processo atingisse o seu objetivo. A Comissão defende que o nível de prova aplicável apenas exige que demonstre um risco razoavelmente previsível de que a decisão a tomar seja substancialmente afetada devido a essas pressões externas.

118. Os argumentos da Comissão não procedem.

119. No n.° 63 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, nas decisões impugnadas, a Comissão se tinha baseado, «em substância, num conjunto de três motivos interligados para recusar o acesso aos documentos pedidos com fundamento no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001» (47). Esses motivos são descritos do seguinte modo:

«Segundo a Comissão, em primeiro lugar, os procedimentos de comitologia preservam a confidencialidade das posições individuais dos Estados‑Membros. Em segundo lugar, a divulgação das posições dos Estados‑Membros trocadas num contexto de confidencialidade comprometem a cooperação entre os Estados‑Membros e a confiança mútua entre os Estados‑Membros e a Comissão. [...] Em terceiro lugar, a Comissão foi, e ainda é, alvo de pressões externas oriundas de diversas partes interessadas com interesses contraditórios, de modo que a divulgação dos documentos pedidos exporia um processo decisório longo e complexo a ainda mais pressões externas. A divulgação dos documentos pedidos reduziria a margem de manobra e a flexibilidade dos Estados‑Membros, que devem ser livres de explorar, sem pressões externas, todas as opções nos comités permanentes».

120. Além disso, no n.° 110 do acórdão, o Tribunal Geral observou que, na sua réplica, a Comissão tinha sublinhado que «os elementos invocados nas decisões impugnadas devem ser considerados não individualmente, mas no seu conjunto».

121. Acresce que, em meu entender, é evidente que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não aprecia os referidos motivos de forma totalmente isolada (48). A análise separada desses motivos interligados afigura‑se seguir simplesmente uma lógica de apreciação estruturada dos argumentos da Comissão. Por conseguinte, considero infundada a alegação da Comissão de que o acórdão recorrido distorceu os seus argumentos.

122. Neste contexto, gostaria ainda de acrescentar que, no meu entender, a Comissão não explicou exatamente como é que o método de exame do Tribunal Geral, caso este tivesse analisado os três motivos interligados em conjunto, teria conduzido a um resultado diferente. A análise do Tribunal Geral centra‑se, em cada etapa, na questão de saber se a Comissão cumpriu a sua obrigação de demonstrar adequadamente — nas decisões impugnadas e à luz das explicações fornecidas durante o processo em primeira instância — o risco de o processo decisório em causa ser gravemente prejudicado, tendo em conta as razões específicas invocadas e a prova pertinente produzida (49).

123. Além disso, também não procede o argumento de que o acórdão recorrido não teve em conta elementos pertinentes neste contexto.

124. Para começar, refira‑se que, na sua jurisprudência, o Tribunal Geral reconheceu sistematicamente que as pressões externas podem constituir um fundamento legítimo para restringir o acesso a documentos (50).

125. Subscrevo esta posição. No entanto, deve ser produzida prova que demonstre existir um risco razoavelmente previsível de que a decisão a tomar seria substancialmente afetada devido a essas pressões externas. As observações do Tribunal Geral nos n.os 129 e 134 do acórdão recorrido incidem sobre a falta de provas em apoio da alegação de que as pressões externas afetariam o processo decisório. As suas conclusões não se baseiam no facto de as pressões externas em causa serem exercidas sobre a Comissão ou sobre os Estados‑Membros separadamente. Pelo contrário, baseiam‑se na ausência de provas que permitam estabelecer uma relação entre as pressões externas e o potencial prejuízo causado pela divulgação. A esse propósito, também não vislumbro mais nenhum elemento pertinente que o Tribunal Geral possa ter ignorado na sua análise e que, se tivesse sido tomado em consideração, teria posto em causa a conclusão a que chegou no n.° 136 do acórdão recorrido.

126. Do mesmo modo, o Tribunal Geral não baseou a sua conclusão de que as decisões impugnadas não apresentavam a necessária prova dos riscos invocados pela Comissão no facto de essas decisões se referirem especificamente ao processo decisório no SCoPAFF ou, de um modo mais geral, aos processos decisórios nos «comités permanentes». Independentemente de o termo «comités permanentes» abranger ou não o SCoPAFF, as decisões impugnadas não continham nenhum elemento de prova concreto especificamente relacionado com o processo decisório em causa.

127. Por último, o Tribunal Geral não aplicou um nível de prova incorreto em relação à exceção em causa. A meu ver, a leitura que a Comissão faz dos n.os 119 e 130 do acórdão recorrido não está contextualizada. Essas passagens referem‑se ao facto de o processo decisório em causa, que se prolongou por vários anos, não ter atingido o seu suposto objetivo, não obstante o tratamento confidencial dado aos documentos em questão. Em substância, o Tribunal Geral não estabeleceu nível de prova ao abrigo da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, limitando‑se a apreciar o valor probatório de certos elementos factuais alegados pela Comissão.

128. Em conclusão, nesses números, o Tribunal Geral não se afastou da exigência, bem enraizada, de que sejam produzidas provas para demonstrar que existe um risco razoavelmente previsível de que a decisão a tomar seria substancialmente afetada devido às pressões externas. Na verdade, como resulta claramente do n.° 136 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha cumprido essa exigência.

129. Por conseguinte, a terceira alegação da segunda parte também deve ser julgada improcedente e, com ela, todo o recurso.

VII. Despesas

130. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que é aplicável aos recursos por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

131. Uma vez que a Pollinis France requereu a condenação da Comissão nas despesas e esta última é a parte vencida, deve a mesma ser condenada nas despesas relativas ao presente recurso.

VIII. Conclusão

132. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Comissão Europeia nas despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Como Robert Burns escreveu no seu poema de 1785 intitulado «To a Mouse» («A um Rato»): «The best laid schemes o’ Mice an’ Men / Gang aft agley» («Os planos mais bem traçados de ratos e homens / Muitas vezes correm mal»).


3      Acórdão de 14 de setembro de 2022 (T‑371/20 e T‑554/20, EU:T:2022:556) (a seguir «acórdão recorrido»).


4      Uma organização não governamental francesa que tem por objetivo a defesa do ambiente e, mais especificamente, a proteção das abelhas.


5      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).


6      JO 2011, L 55, p. 13.


7      JO 2011, C 206, p. 11 (a seguir «modelo de regulamento interno»).


8      Regulamento da Comissão, de 10 de junho de 2011, que dá execução ao Regulamento (CE) n.° 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos (JO 2011, L 155, p. 127).


9      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006, L 264, p. 13).


10      V., por exemplo, Sager (dinamarquês), Angelegenheit (alemão), θέμα (grego), asunto (espanhol), question (francês), pitanje (croata), questionone (italiano), klausimas (maltês), spraw (polaco), chestiune (romeno), zadevo (esloveno) e fråga (sueco).


11      O sublinhado é meu. Algumas outras versões linguísticas, como a checa, a húngara e a maltesa, também empregam o mesmo termo em ambas as disposições.


12      V., nomeadamente, o artigo 3.° nas versões dinamarquesa (Emner), alemã (Sachverhalt), espanhola (temas), francesa (matière), italiana (aspetti), polaca (kwestii), romena (subiect) e eslovena (vprašanju) do regulamento. Importa também referir que algumas outras versões linguísticas, como a grega, a finlandesa, a lituana e a sueca, não contêm nenhum termo correspondente a «matter».


13      V. nota 10, supra.


14      Este princípio está também expresso no artigo 10.°, n.° 3, TUE, bem como no artigo 15.°, n.° 1, e no artigo 298.°, n.° 1, TFUE.


15      Um direito que também está consagrado no artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


16      V., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2023, Breyer/REA (C‑135/22 P, EU:C:2023:640, n.° 70 e jurisprudência referida). No que respeita especificamente à exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do regulamento, v., entre outros, Acórdão de 8 de junho de 2023, Conselho/Pech (C‑408/21 P, EU:C:2023:461, n.° 82 e jurisprudência referida).


17      Acórdão de 13 de julho de 2017, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2017:540, n.os 73 a 77).


18      Ibidem, n.os 75 a 77.


19      V., por analogia, Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo De Masi e Varoufakis/BCE (C‑342/19 P, EU:C:2020:549, n.os 81 a 84).


20      V., neste sentido, considerandos 6 e 11 do Regulamento n.° 1049/2001. Neste contexto, v. também o n.° 60 do acórdão recorrido.


21      V., por exemplo, Acórdão de 7 de fevereiro de 2018, Access Info Europe/Comissão (T‑851/16, EU:T:2018:69, n.os 90 a 94).


22      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de janeiro de 2023, De Capitani/Conselho (T‑163/21, EU:T:2023:15, n.° 78 e jurisprudência referida), e de 18 de dezembro de 2008, Muñiz/Comissão (T‑144/05, EU:T:2008:596, n.° 80).


23      Acórdão de 13 de julho de 2017, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2016:540, n.os 75 a 77).


24      V., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas) (C‑619/19, EU:C:2021:35, n.° 46 e jurisprudência referida). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2016:778, n.os 60 e 76).


25      V., por analogia, Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo De Masi e Varoufakis/BCE (C‑342/19 P, EU:C:2020:549, n.os 85 e 86).


26      Acórdão de 7 de junho de 2011 (T‑471/08, EU:T:2011:252, n.os 3 a 12 e 73 a 76).


27      Acórdão de 20 de setembro de 2016 (T‑51/15, EU:T:2016:519, n.os 26 e 27).


28      V., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.° 86). V., igualmente, no contexto dos processos administrativos e judiciais, Acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.os 77 e 78).


29      V., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 92 a 112). V. também as Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2017:909, n.° 68).


30      V. Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.° 87).


31      V. Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 74 a 77).


32      V., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2020, MSD Animal Health Innovation e Intervet International/EMA (C‑178/18 P, EU:C:2020:24, n.os 126 e 127).


33      V., por exemplo, Acórdão de 28 de outubro de 2022, Generalstaatsanwaltschaft München (Extradição e ne bis in idem) (C‑435/22 PPU, EU:C:2022:852, n.° 119 e 120 e jurisprudência referida).


34      O sublinhado é meu.


35      Esse número tem a seguinte redação: «[...] mesmo admitindo a sua existência, este objetivo não implicava, por si só, que um processo decisório que tivesse por objeto o referido documento estivesse em curso no momento da adoção das decisões impugnadas». O sublinhado é meu.


36      O sublinhado é meu.


37      V., a este respeito, artigo 12.°, n.° 2, e artigo 36.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1107/2009. A este respeito, v. também n.° 57 do acórdão recorrido.


38      V. n.º 53 do acórdão recorrido: «[a] Comissão indicou, aliás, que [tinha solicitado à EFSA] o envolvimento dos peritos dos Estados‑Membros e das partes interessadas, a fim de que todos os pontos de vista fossem tidos em conta, o que deveria permitir uma aceitação rápida do documento de orientação sobre as abelhas revisto».


39      V. n.º 59 do acórdão recorrido.


40      Decisão no caso 2142/2018/EWM sobre a recusa da Comissão Europeia em conceder acesso a posições dos Estados‑Membros sobre um documento de orientação relativo à avaliação dos riscos dos pesticidas para as abelhas. V., em especial, n.os 13, 14, 21, 34 e 35 dessa decisão.


41      V., em especial, n.os 96 e 97 do acórdão recorrido.


42      Acórdão de 28 de maio de 2020, ViaSat/Comissão (T‑649/17, EU:T:2020:235).


43      V., nomeadamente, Acórdão de 8 de junho de 2023, Conselho/Pech (C‑408/21 P, EU:C:2023:461, n.° 34 e jurisprudência referida).


44      V., para uma síntese desses casos, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.° 81 e jurisprudência referida).


45      Ibidem, n.° 80.


46      V., nomeadamente, n.º 113 do acórdão recorrido.


47      O sublinhado é meu.


48      V., por exemplo, n.° 111 do acórdão recorrido.


49      V., nomeadamente, n.os 91, 106, 111, 114, 119, 126 e 129 do acórdão recorrido.


50      V., por exemplo, Acórdão de 25 de janeiro de 2023, De Capitani/Conselho (T‑163/21, EU:T:2023:15, n.° 85 e jurisprudência referida).

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